Modernidade irlandesa

thomas-cahill“Um homem é melhor do que sua origem.”

Segundo o historiador Thomas Cahill (*), esta máxima dos primórdios do cristianismo na Irlanda (séculos V a IX) era evocada para afirmar “a primazia do espírito individual sobre noções de sangue e estirpe”.

Modernos, sui generis esses irlandeses dos tempos dos santos Patrício, Brígida, Columba e Columbano!

Pelo menos é a minha impressão, quando comparo tal pensamento com o que vejo nos dias atuais: ao invés de definir-se pelo que é, muita gente prefere fazê-lo pelo que foram seus ancestrais.

Tais indivíduos e grupos, que se consideram tão livres e senhores de si mesmos, deixam-se, na verdade, governar por seus antepassados. E não se apercebem disso.


* CAHILL, Thomas. Como os Irlandeses Salvaram a Civilização. Tradução de José Roberto O’Shea. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999. (A História não Contada, 1). p. 195.

Santarém, PA, 27/2/2016.

Só curto quem me curte

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Disse sabiamente o grande filósofo Kon-Fuzo:

Na vasta e intricada rede em que fomos lançados e inexoravelmente nos encontramos conectados, o frágil equilíbrio interacional depende da constante apreciação recíproca de seus atores.

Resumindo: “Só curto quem me curte. E vice-versa.”

A tradição universitária do preconceito

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Em sua obra Educación y Lucha de Clases, o psicólogo e professor argentino Aníbal Ponce cita o seguinte trecho de August Messer sobre os estudantes das universidades medievais:

Um hino da época, de caráter blasfemo, muito popular entre os estudantes ingleses, ressalta muito claramente o caráter da classe a que pertencia o estudante medieval:
Deus, tu que hás criado os camponeses para servirem aos cavaleiros e aos estudantes, que puseste em nós ódio a eles, deixa-nos viver às expensas do seu trabalho, aproveitar de suas mulheres e matá-los por fim; pelo nosso senhor Baco, que bebe e levanta o seu copo, pelos séculos dos séculos, amém.

PONCE, Aníbal. Educação e Luta de Classes. Trad. José Severo de Camargo Pereira. São Paulo: Fulgor, 1962.

Qualquer semelhança com as práticas violentas e discriminatórias de estudantes de conceituadas universidades brasileiras atuais não será mera coincidência; é tradição de longa data.

Aliás, para quem gosta de manter tradições, este é um prato cheio.

Já eu penso que tradições, principalmente deste tipo, devem ser quebradas. Uma sociedade ou instituição que resiste a mudanças, sob a alegação de conservar tradições, acaba por manter-se esclerosada e rançosa.

Aprendendo com os antigos egípcios

rosalie-david_religiao-magia_egito“O objetivo comum da irrigação forneceu uma força unificadora e certamente contribuiu para a criação final de um estado político em c. 3100 a.C. […]
Quando o rio subia, uma série de canais direcionava a água para essas bacias, de modo que a terra ficava inundada. Então, a água era retida ali para que o lodo que carregava consigo ficasse depositado na terra. Quando o rio recuava novamente, qualquer água remanescente era drenada, e os fazendeiros podiam, então, arar a terra e plantar seus grãos. Era necessária uma organização complexa de mão de obra e dos recursos para construir e manter esse sistema, e os reis devotaram um esforço considerável para assegurar que as represas e os diques fossem construídos, que os canais fossem cavados e que o sistema fosse devidamente mantido. Períodos de colapso político e econômico foram sempre acompanhados da negligência do sistema de irrigação.

DAVID, Rosalie. Religião e Magia no Antigo Egito. Tradução de Angela Machado. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. p. 32. [Grifos meus.]

O trecho acima está de acordo com a ideia geral de que a necessidade de criar e manter um sistema amplo de irrigação, que aproveitasse a cheia anual do rio Nilo, captando e distribuindo melhor e mais amplamente a água e propiciando colheitas mais abundantes, tanto impulsionou a unificação do Egito, há cerca de 5.000 anos, como também passou a depender do Estado sua conservação.

“O Egito é uma dádiva do Nilo”, diziam os antigos, e o aproveitamento de suas benesses dependia da estabilidade do Estado e do faraó.

Qualquer semelhança (ou a ausência dela) com a atual crise de abastecimento de água e de energia elétrica resultante da ação de governos que conhecemos não é mera coincidência.

Santarém, PA, 7/3/2015. Editado em 23/2/2016.

Biscoito fino

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A massa ainda comerá o biscoito fino que fabrico.

Assim disse certa vez Oswald de Andrade (1890-1954).

Pois é isso aí…

O problema é que, ao invés de ensinar as pessoas a apreciar as melhores iguarias, prefere-se deixá-las a pão e água, fechando depois a confeitaria, por alegada falta de demanda de biscoitos…

Uma memória das Memórias de Graciliano

Memórias-Do-Cárcere-Graciliano-RamosIam fazer aqui revolução com estas bestas?
(Memórias do Cárcere, II Parte, Capítulo 2)

Nunca me esqueci desta frase de Valdemar Birinyi, ex-oficial de Béla Kun, dita a Graciliano Ramos na prisão, desde que li as Memórias, há muitos anos.