Privilégio reencarnatório

Há algum tempo, Xuxa Meneghel concedeu entrevista a Taís Araújo. A certa altura da conversa, a Rainha dos Baixinhos disse que gostaria de renascer como mulher negra numa próxima vida.

Por que a loira tinha de dizer isso? “Quem essa branca pensa que é para querer ser negra?” — foi mais ou menos o que se disse em reação ao desejo expresso por Xuxa, cuja fala causou revolta em algumas pessoas, e o assunto foi inevitavelmente discutido na Internet, como ocorre com as costumeiras, efêmeras e infrutíferas polêmicas ou tretas das redes sociais, sendo esquecido mais tarde. Normal.

A repercussão do assunto na época mostrou que o conceito de “lugar de fala” é mais amplo do que parece, pois abrange não apenas o momento atual, mas também hipotéticas vidas futuras — no que a maioria das pessoas diz não acreditar.

Não sei qual a religião de Xuxa Meneghel, mas inegavelmente ela crê na sobrevivência do espírito, na vida após a morte, na pluralidade das existências, nas vidas sucessivas… Em suma, ela com certeza crê na REENCARNAÇÃO, isto é, na possibilidade de uma pessoa morrer e, depois de algum tempo, renascer em outro corpo, numa existência nova e diferente da anterior.

As religiões abraâmicas — judaísmo, cristianismo, islamismo (pelos menos em suas correntes majoritárias e dominantes) — não reconhecem a possibilidade de reencarnação, que é aceita por outros sistemas religiosos ou espiritualistas, um dos quais o espiritismo francês ou kardecista (ou simplesmente espiritismo), que tem a imortalidade do espírito e as existências sucessivas como dois dos seus princípios basilares.

Segundo o espiritismo, o ser humano tem uma parte imortal, que sobrevive à morte e guarda a essência do indivíduo: é o espírito, que reencarna ou renasce, vivendo existências sucessivas com o fim de evoluir. Nesse contexto, o espírito não tem cor, não tem etnia, não tem sexo, não tem gênero, não tem orientação sexual, não é cis nem trans, não é rico nem pobre, nem nobre ou plebeu, nem ocidental ou oriental, nem nortista ou meridional, não tem idioma nem religião.

Assim, quem hoje é branco, já foi negro e voltará a ser negro; quem hoje vive como mulher, já viveu como homem e viverá outra(s) existência(s) masculina(s); o heterossexual de hoje possivelmente já foi homossexual numa existência anterior e talvez renasça de novo como homossexual; e assim por diante em relação à orientação sexual, à transexualidade, à língua, à religião etc. Estas são condições circunstanciais, efêmeras, transitórias, sejam biológicas ou culturais, que o espírito vivencia em suas reencarnações e cuja memória ele acumula em sua individualidade como bagagem existencial.

De acordo com essa doutrina, portanto, não há nenhum impedimento a que Xuxa Meneghel ou qualquer outra pessoa branca possa vir a renascer como pessoa negra, ameríndia, asiática, aborígene, mestiça, e nada impede que qualquer outra pessoa possa reencarnar sob qualquer outro fenótipo, sexo, orientação sexual etc., seja qual for. As possibilidades são muitas e dependem também das contingências de cada momento e situação.

Uma dessas contingências é o estoque humano disponível.

As estatísticas demográficas atuais mostram que a população europeia está diminuindo, e noutros países ricos, como Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Japão e Coreia do Sul, o crescimento populacional tem diminuído seu ritmo. Ao mesmo tempo, a Índia ultrapassou a China como país mais populoso, enquanto a Indonésia e o Paquistão, juntos, têm mais de meio bilhão de habitantes. Já a África é o continente cuja população cresce mais rapidamente: a Nigéria já tem população maior que a do Brasil e deverá ter cerca de 400 milhões de habitantes em 2050.

Os dados demonstram, portanto, que a população branca de origem europeia tende a diminuir e tornar-se minoritária em relação aos demais grupos humanos; assim, cada vez mais a reencarnação como ser humano não branco será o mais frequente, e reencarnar como branco será um “privilégio” cada vez mais raro.

Aceitando-se ou não isso, nessa perspectiva a realização do desejo de Xuxa Meneghel é apenas uma questão de tempo… e tempo é coisa que os espíritos têm de sobra.

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Lugar de canto

Se você é cantor e nasceu em Escorrega e Lá Vai Um, não cante em estilos musicais de outros lugares.
Não cante o caixa-prega, por exemplo, pois este ritmo é particular dos naturais de Caixa-Pregos da Curva.
Cante somente o escorrega, ritmo consagrado da região escorreguense, pois é isso o que se espera e se requer de você: eis o que seus conterrâneos exigem — e também os não conterrâneos.
É isto o comportamento da moda hoje em dia: cada um no seu quadrado, no seu lugar de canto. 😉

Capitalismo antifeminista

Especialista diz que a opressão da mulher começou com o capitalismo. 🤔
Considerando-se que o capitalismo — incluso aí o mercantilismo — tem pouco mais de 500 anos, então não faz tanto tempo assim. 😎 (Há quem diga que ainda não houve tempo de todas as mulheres se acostumarem. É, deve ser por isso que existe feminismo.)
Como era boa e feliz a vida das mulheres até o século XV, antes do surgimento do maldito capitalismo! Ditosos tempos aqueles… 😉
Só a Idade Média, essa era milenar tão execrada, foram 1.000 anos de plena felicidade feminina, com lençóis manchados de vermelho expostos ao público, direito de pernada, cinto de castidade e uma gravidez por ano, além de muchas otras cositas más…
Mas eu nem deveria estar comentando aqui sobre isso, afinal não sou mulher, logo não tenho “lugar de fala” que me permita tal atrevimento e audácia. Que especialistas não fiquem sabendo, então!