Franz Kafka cancelado?

(Foto: WordPress.)

Quem diria?! Até ele?! Esses canceladores já estão indo longe demais!

Pessoal, aproveite para ler a obra de Franz Kafka enquanto é possível; se o cancelamento pegar mesmo, as editoras deixarão de publicá-lo, os tradutores deixarão de traduzi-lo, e a obra dele ficará cada vez menos acessível, e quem tiver seus livros não se desfará deles de jeito nenhum. Tornar-se-ão raridades valiosíssimas.

Mas não ficaremos sem ter o que ler. As livrarias estão abarrotadas de livros novinhos em folha de autores bonzinhos e politicamente corretos, que dizem exatamente aquilo que os formadores de opinião e os influenciadores atuais (e seus influenciados) querem ouvir. Nada do que eles dizem é cancelável… pelo menos por enquanto.

A qualidade desses novos autores talvez deixe a desejar, pois nenhum deles é um #Kafka, mas não se pode querer tudo.

Mas pelo menos teremos o que ler. 😀

P.S.: Ei, você aí! Você mesmo, que me levou emprestado um Kafka há um tempão e nunca devolveu. Faça-me o favor de devolvê-lo o mais rápido possível!

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Machado de Assis: capacitista?

A discussão sobre alterações em trechos de livros de Monteiro Lobato, Roald Dahl, Ian Fleming e Agatha Christie, acusados de ferir a sensibilidade dos leitores por meio de frases tidas como preconceituosas, traz-me à memória aquele trecho do capítulo XXXIII de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, quando o narrador Brás Cubas comenta, após reparar no coxear* de Eugênia (a que ele faz alusão no capítulo anterior):


“O pior é que era coxa. Uns olhos tão lúcidos, uma boca tão fresca, uma compostura tão senhoril; e coxa! Esse contraste faria suspeitar que a natureza é às vezes um imenso escárnio. Por que bonita, se coxa? por que coxa, se bonita?”


Na lógica dos leitores sensíveis, parece que nem o cultuado Bruxo de Cosme Velho, maior glória da literatura nacional, escapou disso. Ninguém é perfeito…
Seria isso demonstração de capacitismo do autor? Insensibilidade e falta de consciência de classe de um homem negro e epilético? Ou estaria ele, em sua obra, mostrando a vida como ela é por meio de uma personagem vil, desprezível, asquerosa, infame, mas ainda assim tão parecida com muita gente com que convivemos todos os dias? Ou talvez parecida com nós mesmos?
Um erro cada vez mais arraigado hoje é o de confundir personagens ou o narrador de uma obra de ficção com o próprio autor da ficção. Há personagens racistas na obra de Machado de Assis; quer isto dizer que Machado era racista?
Estropiarão também a obra de Machado de Assis para evitar ferir a sensibilidade dos pobres leitores? Terão muito trabalho, a começar por esse livro que cito aqui, pois as personagens dele não são rasas, mas complexas, como são todos os seres humanos, e nisso reside o gênio do autor.
Mas talvez queiram edulcorar as personagens e trechos para que o texto machadiano se torne leve como um conto de fadas dos dias de hoje… Daí sairiam, com certeza, ótimos roteiros para filmes da Disney!
Ou talvez não se faça nada. Quem lê Machado de Assis hoje em dia? E quem o lê com vontade e prazer? Uma coisa é usá-lo como figura de luta política e racial, esfregando a negritude de Machado (e de Cruz e Sousa, Lima Barreto, João do Rio, Mario de Andrade…) na cara da “elite branca, macha, heterossexual e cis”; outra bem diferente é enfrentar sua obra sem a obrigação da leitura escolar.
Se a coisa rolar mesmo, estou aqui à disposição para fazer a revisão do texto, após a dilapidação dele, pois trabalho é trabalho. Pagando bem, que mal isso tem? Às favas com os escrúpulos, desde que ao vencedor sobrem as batatas — ou pelo menos algum cachê pela revisão textual.
Já a minha coleção completa de Machado de Assis ficará bem guardada, e nela ninguém porá a mão.


* Observação: coxo = manco; coxear = mancar.

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Fantasias canceladas

Clóvis Bornay com uma de suas célebres e inigualáveis fantasias. (Foto: Reprodução do Gay Blog.)

Homens que se vestem de mulher no Carnaval estão sendo criticados e “cancelados”. Diz-se que tais fantasias sao ofensivas a travestis.
Hmmmm… Aham… Sei.
Considerando-se a condição das odaliscas dos haréns do Império Otomano, creio que fantasiar-se de odalisca também não seja de bom tom — viu, @CarlaPerezCPX? Nem de gueixa. Ou de bruxa. Ou de chinesa da dinastia Song.
Certo estava Clóvis Bornay (1916-2005), que todos os anos vencia concursos com fantasias exuberantes e extravagantes com nomes do tipo “Sonho do Pavão Misterioso numa Noite de Verão na Ilha do Paraíso”, que não faziam referência a nada conhecido e não podiam ser acusadas de apropriação cultural ou ofensa a grupos minoritários.
Bom, talvez fossem ofensivas às aves que perdiam suas penas para essas fantasias. Mas ninguém é perfeito…
O sonho não acabou, mas parece que a fantasia sim.
Lamento pelos brincantes, foliões, curtidores, carnavalescos e todos os que lotam os salões ou vão atrás do trio elétrico. Logo, fantasiar-se do que quer que seja não lhes pertencerá mais.

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Fã desde criancinha

— Quem? Ah! Sim… Sei… Claro! Exatamente! Conheço muito. Desde criancinha. Dou o maior apoio. Brincava com minha irmã. Jogava bola com meu primo. Tomava café na casa de minha avó. Sou fã de carteirinha. Amooooooooo! ❤️

É melhor confirmar que conhece e aprecia o(a) famoso(a), cortando logo o papo. Pronto!
Hoje em dia, dizer que desconhece e/ou não curte alguma celebridade que esteja por aí bombando é considerado de mau tom, elitismo, pedantismo, esnobismo, intelectualismo, discriminação contra as escolhas e cultura do povo, mau-caratismo — crimes passíveis de punição por cancelamento.
Seja como for, dizer que gosta de tais figuras não machuca ninguém. É uma mentirinha justificada pela necessidade.
Que seria de nossa civilização e das relações sociais se disséssemos sempre a verdade?

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Coriandro

Foto: WordPress.

Com base em certas coisas que li recentemente, já estou em contagem regressiva para que pessoas que não gostam de coentro (Coriandrum sativum) comecem a ser acusadas de certos preconceitos pesados.
Teríamos já em formação um identitarismo coriândrico ou coentrão? 🤔
O problema não está no que se publica, mas em como se interpreta… principalmente nos tempos de mentalidade anacrônica em que vivemos.
Seja como for, dessas acusações estou livre. Já metade de minha família…
Se você não gosta de coentro, seja qual for o motivo, sugiro que comece a rever seus conceitos. Pode ser uma opção para evitar o cancelamento…