Vida e arte

Numa boate cheia de gente, um DJ acende fogos de artifício no palco; faíscas se espalham, o fogo queima as cortinas e se espalha para as paredes e o teto, queimando tudo.

Pânico. Gritaria. Correria. Apenas uma saída estava livre, as outras estavam trancadas por ordem do dono; não havia extintores de incêndio, o revestimento antifogo estava irregular. Várias pessoas morrem asfixiadas, queimadas ou pisoteadas.

A história parece familiar? E é, mas não estou falando do incêndio da boate Kiss, ocorrido em 2013 em Santa Maria, RS.

Trata-se do enredo do episódio 22 da temporada 1 de CSI Miami, exibido em 2003, dez anos antes da tragédia da Kiss. Tirando-se algumas diferenças, é quase a mesma história de Santa Maria, e com certeza deve ter sido inspirada em outro incêndio parecido.

Vida e arte imitam uma à outra, inclusive nas tragédias, infelizmente.

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Controle lexical… absoluto!

(Foto: WordPress.)

Há quem defenda que é incorreto dizer “americano” ou “norte-americano” para se referir aos Estados Unidos e seus cidadãos ou coisas, pois haitianos, panamenhos e brasileiros também são americanos, e canadenses e mexicanos, além de americanos, são também norte-americanos. Segundo essas pessoas, a única forma correta é “estadunidense”.
Defensores mais virulentos da palavra “estadunidense” até se ofendem quando topam com os termos “americano” ou “norte-americano” usados nesse sentido, chegando até a destratar quem os empregue assim. Dizem que é ofensivo aos demais povos americanos e norte-americanos o uso desses termos como sinônimos de “estadunidense”.
Aliás, parece que o uso de “estadunidense” vai firmando-se como quase que exclusivo do pensamento de esquerda, enquanto o uso dos demais termos vai caracterizando-se como etiqueta da direita ou dos chamados isentões.
Trata-se de opinião, contra a qual nada tenho, desde que não se queira impor tal uso às outras pessoas; seria ótimo não ter de escolher entre mais de um termo, mas o uso atual de nossa língua consagra as formas “americano”, “norte-americano”, “estadunidense” e “ianque” como sinônimas em várias situações, não havendo erro nenhum em chamar um cidadão dos EUA de “americano” ou “norte-americano”, desde que o contexto o permita.
Mas nem tudo são flores. Quando há tantos termos listados como politicamente incorretos, ofensivos, indesejáveis ou palavras-gatilhos para o que quer que seja, é preciso policiar-se o tempo todo para manter um discurso semântica e lexicalmente coerente e não deixar escapar uma palavrinha sequer que destoe ideologicamente das demais.
Fazer isso por escrito é fácil, pois sempre se pode revisar o texto e substituir os termos indesejados. Já falar ao vivo na TV ou na Internet são outros quinhentos, pois às vezes o termo nos escapa e nem o percebemos.
Foi o que ocorreu há alguns dias com certo intelectual, escritor e comentarista político progressista, que defende o uso exclusivo de “estadunidense” e rejeita as demais formas, que ele considera inadequadas pelos motivos citados acima. Comentando no YouTube sobre a influência política e cultural dos EUA na América Latina e no Brasil, ele disse algo assim:
“… a gente cresceu vendo na TV filmes ESTADUNIDENSES em que os AMERICANOS…”
Pois é… Escapuliu-lhe um “americanos” em lugar de “estadunidenses”. Nada errado aí, nem lexical nem gramaticalmente. E acho que nem ele mesmo percebeu, naquele momento, que usou um termo que ele mesmo considera inadequado e busca evitar. Acontece nas melhores famílias.
Quase todos os países têm um nome oficial, que consta em sua constituição e outros documentos. A França é “République Française”, a Itália é “Repubblica Italiana”, Portugal é “República Portuguesa”, a Bolívia é “Estado Plurinacional de Bolivia”… E vários países têm ou tiveram a locução “Estados Unidos” a compor seus nomes oficiais: até 1967, o Brasil se chamou “Estados Unidos do Brasil”; até 1953, a Venezuela se chamou “Estados Unidos de Venezuela”; a Colômbia e a Indonésia também já foram “Estados Unidos”… e o México ainda se chama “Estados Unidos Mexicanos” – apesar de nenhum desses países ter “estadunidense” como gentílico. Por que, então, os estadunidenses não podem referir-se a seu país como América e a si como americanos se o nome oficial de seu país é “United States of America”?
E pode haver outras complicações no mundo dos gentílicos: afinal, o termo “europeu” pode continuar a ser usado em relação a qualquer país da Europa ou apenas se refere aos que compõem a União Europeia? Ucranianos, suíços, noruegueses e sérvios também são europeus? Por que não se referir aos cidadãos da União Europeia como “euro-unionenses”, por exemplo?
Toda essa discussão é uma bizarra bizantinice.
Lembro-me de ter aprendido, na escola, a evitar a repetição de termos para que o texto não se torne maçante ou enfadonho; há mesmo quem goste de usar sinônimos para ostentar erudição ou opulência lexical. Mas nem sempre se pode lançar mão da sinonímia, pois ou os termos são insubstituíveis ou são técnicos demais, sem falar em artigos, verbos de ligação, preposições e outros elementos gramaticais cuja repetição é incontornável.
Tenho, pois, a tendência de evitar certas repetições; por isso, conforme a situação, e se necessário e possível, uso num mesmo texto as palavras “americano”, “norte-americano”, estadunidense”, “ianque” e outras, se as há, como termos sinônimos e alusivos aos EUA, sem levar em conta a ideia de que o único termo aceitável e possível seja “estadunidense” ou outro. Meu oráculo, guru e mito é o dicionário.
Se você acha que só um termo é possível, aceitável, conveniente e politicamente correto para referir-se a um grupo social, a uma coisa, a um processo ou a uma situação — não há problema nenhum nisso. Mas sugiro treinar o controle lexical para evitar o deslize de usar, sem o querer, um termo inadequado a suas convicções.
Policie-se o tempo todo; perscrute cada palavra na mente antes de falar e enquanto fala; fale pausadamente, deixando sair as sílabas bem devagar… e assim talvez você consiga evitar que, vez ou outra, escape uma palavrinha gentilicamente incorreta.
Use apenas seu termo favorito, pois, riscando de seu glossário os sinônimos dele, e quem sabe se, daqui a alguns anos, sua palavra favorita não se emplacará como a única?
O preço da palavra politicamente adequada e correta é a eterna vigilância do (próprio) vocabulário. E talvez, ao fim e ao cabo, o resultado seja termos um vocabulário cada vez mais restrito e uma fala sem figuras de linguagem nem sinônimos. Este parece ser, aliás, o desejo dos fiscais da palavra alheia.
Bem-vindos à era da pós-sinonímia.

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Foguete indiano

(Foto: WordPress.)

Na madrugada de 29 de maio de 2023 assisti ao lançamento de um foguete da Índia. Os indianos usaram-no para posicionar em órbita um satélite do sistema de navegação que estão construindo. Eles e os chineses estão preparando-se para não depender do GPS, que é dos Estados Unidos. Já por aqui…
Aqui já perdemos o foguete da história, assim como deixamos passar o metrô, o trem, o bonde, a carruagem e até o paquete. Sabotamos nossa indústria automotiva (que há muito é toda gringa), não conseguimos fabricar um chipe, e nossos computadores, telefones e até cafeteiras, aspiradores de pó e liquidificadores são feitos na China e aqui postos nas caixas para venda no varejo…
Sem falar em nossa escola, na qual os alunos passam 12 anos e da qual muitos saem sem entender o que leem nem escrever direito na língua que falam, além de deixar-se enredar na inflação do terraplanismo.
Mas está tudo joia! O Brasil continua craque em destruir seu meio ambiente, desperdiçar seus recursos naturais e esmagar o talento de seu povo.
Não criemos pânico. Para que investir em programas espaciais dispendiosos, se a China e a Índia, parceironas dos BRICS, podem lançar os nossos satélites?
Mas não daqui, pois nossa base de Alcântara agora é dos irmãos do North, que sabem usá-la melhor do que nós. Há mais de 20 anos deixamos que explodisse, matando toda a nossa equipe de pesquisadores de espaçonáutica. Há quem diga que foi sabotagem dos gringos malditos, mas isso já é conspiracionismo de mais, não acham?
Ao fim e ao cabo, não para de crescer o lucro da exportação de soja, minério e “proteína”. Ao vencedor, as commodities!

P.S.: Talvez apareça alguém aqui me acusando de ter complexo de vira-latas. Qual! Vão tomar banho na soda! Esse papo de vira-latismo é desculpa de quem não aceita críticas ao país, pois acha que o Brasil é a oitava maravilha e vivemos no melhor dos mundos possíveis. Amar o Brasil é também reconhecer seus problemas.

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I.A.

Sempre gostei do sistema “pegue, pague e leve” dos supermercados e assemelhados. Não que eu seja contra os balconistas (já fui um) e atendentes das lojas, que são imprescindíveis quando se precisa de atendimento mais pessoal em relação a algum produto específico.
O sistema de balcão é ótimo numa padaria, quando se precisa de 10 pãezinhos e 1 litro de leite, ou num bar, ao se pedir uma cerveja ou rabo de galo. Gosto, porém, de percorrer as prateleiras ou estantes, escolher o produto, ir ao caixa, pagar e ir embora.
Mas é aflitivo entrar numa loja enorme de uma rede em um shopping center, cheia de produtos para o lar, casa e jardim, papelaria etc., e encontrar nela uma única funcionária, que não é vendedora nem caixa e está lá apenas para dar informações e ajudar os clientes a pagar as compras no sistema de autoatendimento: o cliente escolhe o produto, posiciona-o em frente ao leitor de código de barras, põe-no na sacola, escolhe a forma de pagamento, introduz ou encosta o cartão de crédito/débito ou o telefone celular, digita a senha, espera a impressão do comprovante e vai embora.
Os vários caixas da loja estavam vazios, sem vivalma. Quase uma loja-fantasma.
Eis aí em pleno funcionamento essa inteligência artificial de 500 anos chamada capitalismo.
Ela surgiu como parte do código-fonte de um sistema religioso, mas ganhou vida própria e está hoje acima das religiões, mas ao mesmo tempo ao lado, embaixo e dentro delas.
Serviu-se da escravidão (que não inventou, reconheçamos), mas ajudou a extingui-la quando percebeu que era o mais conveniente, pois escravos não são consumidores.
Aceitou dar direitos aos trabalhadores para impedi-los de simpatizar com o comunismo, mas as condições de trabalho pioraram e os direitos caíram por terra quando a ameaça vermelha se desfez no ar.
Agora os próprios empregos rareiam, assassinados pelo avanço tecnológico, enquanto os nerds e outros fanáticos por “tecnologia” idolatram bestamente gente como Jobs, Gates, Zuckerberg e Musk.
O capitalismo é uma inteligência artificial aparentemente analógica, pois não vive (ainda) em sistemas informáticos: seu único fim é continuar existindo, e para isso ele precisa de hospedeiros, os seres humanos, que usam os recursos, as ferramentas físicas e ideológicas disponíveis, às quais o capitalismo se adapta constantemente. Toda a humanidade é hospedeira do capitalismo, mas apenas parte dela se beneficia disso, vivendo em regime de simbiose… pelo menos enquanto essa simbiose for necessária para o parasita.
Impõe-se uma questão: por que não sacrificar um pouco do lucro para criar mais postos de trabalho e, por conseguinte, mais consumidores? Não seria melhor se mais pessoas trabalhassem, em jornadas de trabalho mais curtas, com tempo para lazer, estudo… e consumo? Mas isso desagrada aos acionistas, beneficiados pela simbiose.
Sem renda não há consumo. Aonde chegaremos no ritmo atual?
Veremos no que dará quando o capitalismo, inteligência artificial analógica, tiver em mãos uma inteligência artificial computacional ilimitada… ou for absorvido por ela.
Será, pela última vez, a vida a imitar a arte.
A SkyNet está logo ali.

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Lançamento do filme X é realizado na cidade Y

LANÇAMENTO DO FILME X É REALIZADO NA CIDADE Y
🙄🤔
Para que toda essa afetação e verborragia no título de uma notícia? Por que não dizer algo mais simples?
FILME X É LANÇADO NA CIDADE Y — acho que fica bem melhor.
Já faz tempo que reparo na falta de jeito de parte da imprensa ao titular notícias. Teriam deixado de ensinar isso na faculdade? Ou é por causa de não ser mais obrigatório o diploma de jornalismo?

USPício… ou o fim da crítica

Certo autor da moda, popular e badalado disse preferir escrever para encontrar leitores e não para a Universidade de São Paulo (USP), desprezando a crítica literária. Está em seu direito… e vendendo muito. O entrevistador ainda o parabenizou por quebrar o estereótipo do escritor branco, rico e vivendo no Sudeste.
A quem o entrevistador alude quando diz “escritor branco, rico vivendo no Sudeste”? João Antônio ou Ferréz? Jorge Amado era mineiro, sem dúvida nenhuma. Talvez se trate do milionário Plínio Marcos, nascido em berço de ouro nos Jardins, cuja escrivaninha feita de caixotes de madeira com certeza era só mais uma das excentricidades de sua “persona” marginal…
Enfim… Não sei se me sinto lisonjeado por ver a universidade em que me formei citada como sinônimo de crítica literária universitária ou se fico preocupado: estaria a crítica literária em extinção entre nós e a USP seria a única universidade brasileira ainda a praticar essa atividade tão difícil, quase desconhecida e desprestigiada? Seria a USP o último baluarte da crítica literária no Brasil?
A princípio tive medo de meus professores de crítica literária, que me assustavam com sua erudição, sua capacidade de relacionar obras e autores, escolas e correntes, escavando tantas coisas de um poema ou conto. Depois passei a sentir respeito e admiração por eles e por sua atividade ingrata, para a qual alguém se prepara por toda a vida, com muitas horas diárias de leituras, reflexões, anotações, comparações, com um olho nos clássicos da humanidade e outro nas novidades que dia a dia enchem as prateleiras das livrarias… e as listas de “best sellers” — só para depois ser xingado nas redes sociais porque a crítica não saiu favorável ao autor como ele e seus fãs esperavam.
Mas, alvíssaras!
A julgar pelos boatos que ainda ouço de minhas fontes, a USP está há um bom tempo no caminho da decadência, e logo, para a alegria de muita gente, a universidade mais odiada do Brasil chegará ao fim, e com ela a desprestigiada crítica literária universitária, que voltará a ser exercida em nosso país apenas por seus verdadeiros donos, os articulistas companheiros de jornais e blogues, ou pelos gringos que a inventaram.
Nunca mais uma obra literária será GONGADA nas páginas de crítica dos jornais brasileiros. Terá apenas palavras de aprovação!
Mas, no mais e afinal, por que perder tempo escrevendo crítica literária, séria ou a soldo, se os gringos podem fazê-la melhor do que nós… e em inglês?
Crítica para quê? Aos vencedores… o lucro da soja e da “proteína”!

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Só sabes que nada sabes

(Foto: WordPress.)

Anote aí a nova moda:
Se você não sabe de algo, se desconhece alguma informação, o motivo é:
1. Você foi enganado (por alguém que você acha que lhe deveria ter dado essa informação); ou
2. Houve desprezo pela informação (não a buscaram, não a pesquisaram, por isso você não sabe).
A culpa de não saber algo nunca será sua — mesmo que se trate do nome da personagem principal de um romance que o professor pediu que você lesse, mas você não o fez porque achou chata a leitura; ou do significado daquela palavra, que você poderia ter procurado num dicionário, mas não o fez por preguiça. 🙄
Ou é o caso daquela canção que você não sabia que é traduzida (“Pensando nela”, “Não chore mais”, “Erva venenosa”, “O astronauta de mármore”, “Vou de táxi”…); a informação está no encarte do CD e do disco de vinil, mas ninguém avisou que você deveria ler o encarte do disco para saber isso. 😱
Não se preocupe, você é totalmente inocente de tudo… pois existe uma conspiração eterna e universal para que você não saiba aquilo que deveria saber.
As redes sociais nos ensinam cada coisa bacana! (E principalmente esta: o conspiracionismo não tem fim.)

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