Gritos Estrangulados

GRITOS ESTRANGULADOS
(Strangolitaj Krioj)

Julius Balbin (1917-2006)

Passamos a noite inteira seguros,
amparando um ao outro com ternura,
escondidos numa pequena câmara
atrás de pesadíssimo armário.

Amanheceu com a ameaça da morte
que rugia dos alto-falantes
a todos os moradores do gueto escondidos.
Emboscados pelo pânico,
tremendo, caminhamos das portas
para as ruas cinzentas
onde fomos, em meio a uma multidão aterrorizada,
capturados pelos homens da SS
e policiais judeus
que nos batiam com coronhas e chicotes.

Em nosso pânico e terror
nós corríamos caoticamente,
mas as coronhas e chicotes
separaram-nos em duas colunas.

Minha mãe e eu,
ainda agarrados um ao outro,
fomos separados
pelo chicote de um judeu.

Apenas um golfar
de obscenidades alemãs
rompia o silêncio
de gritos estrangulados.

Entre os cativos
ninguém sabia
qual das duas colunas
seria agora transportada
às distantes fábricas da morte.

Ainda consigo ver
através da bruma de lágrimas
o rosto de minha mãe,
submetida, assim como
seu gesto desesperado
para que eu ficasse tranquilo.

(Traduzido do esperanto por Júlio César Pedrosa.)

BALBIN, Julius. Strangolitaj krioj. In: Imperio de l’ koroj: Du poemaroj. Pizo, Italujo [Pisa, Itália]: Edistudio, 1989. p. 174-175.

Hector Hodler e o triunfo do esperanto

“Aquilo que enfaticamente chamamos o ‘triunfo de nossa causa’ não é algo futuro e distante; esse triunfo consiste num conjunto de pequenos sucessos cotidianos agora possíveis de atingir. O esperanto ‘triunfa’ cada dia quando é útil a alguém.”
Hector Hodler (1887-1920), fundador da Associação Universal de Esperanto (UEA)

A Velhice

A VELHICE

Jānis Jaunsudrabiņš (1877–1962)

No rosto de quase todas as pessoas, leio um medo disfarçado da velhice. Então eu também começo a pensar sobre este fantasma e procuro algo com que possa compará-lo. Oh, a velhice é muito diversa:

Vejo-a como nuvens distantes acima de minha cabeça! Elas são silenciosas e imóveis, e meio engastadas no azul-escuro. E quero mandar-lhes um alô.

Vejo-a como a paisagem colorida que espera pela neve com a maior das saudades.

Vejo-a como um cardo seco na encosta de um monte. Ali ele permanece de pé e cintila sob a luz do sol de outono, e o vento carrega seus cabelos brancos para além do monte, além do rio.

Vejo-a como uma floresta nua após a ventania. Ela então se mostra heroica, e eu quero ser assim.

Não, a velhice não é nenhum fantasma. Se nós começássemos a vida pela velhice, nós com toda a certeza temeríamos a infância e a chamaríamos por aquele outro nome.

E o que é então a juventude?

Muitas, muitas vezes nós a vemos como um porquinho que, chafurdando, se enlameou até os olhos, mas continua tendo o rabo enroladinho.

JAUNSUDRABIŅŠ, Jānis. La Maljuneco. Tradução de Ko So. Norda Literaturo, Jelgava (Letônia), n. 2, K. Strazds (Ed.), 1934.

Traduzido do letão para o esperanto por Ko So; do esperanto para o português por Júlio César Pedrosa.

Notas:
1- O escritor letão Jānis Jaunsudrabiņš nasceu em Selônia, Letônia, em 25 de agosto de 1877; faleceu em 28 de agosto de 1962 na Alemanha. Mais sobre ele aqui (em letão, francês e outras línguas, mas não em português): https://lv.wikipedia.org/wiki/J%C4%81nis_Jaunsudrabi%C5%86%C5%A1
2- Sobre a revista Norda Literaturo (em esperanto): https://eo.wikipedia.org/wiki/Norda_literaturo

Santarém, PA, 26/7/2017. Leia e curta também no Blogspot.

Lusia

LUSIA
Julius Balbin (1917-2006)
Traduzido do esperanto por Júlio César Pedrosa

Ela era minha vizinha
antes da guerra –
e aos catorze anos
eu em segredo sonhava com ela,
enamorado de seus
negros olhos ardentes
e sua voz de veludo
cheia de amor.

E nada resta dela
além de sua roupa rasgada
e flocos de sangue
que a terra absorve.

Porque ela teve a audácia
de dirigir a palavra a um jovem guarda da SS,
o chefe do campo de concentração
ordenou
lançá-la
na jaula
de seus amados cães assassinos.

Em poucos minutos
sua carne foi devorada
e seus ossos quebrados,
e nada mais restou
além de minhas lembranças
e lágrimas
absorvidas pela terra,
que nós ambos dividimos
com os assassinos
humanos e caninos.

Ela era minha vizinha
antes da guerra…
com seus
negros olhos ardentes
e voz de veludo
cheia de amor.

1980

BALBIN, Julius. Lusia. In: Imperio de l’ Koroj: Du Poemaroj. Pizo, Italujo [Pisa, Itália]: Edistudio, 1989. p. 162-163.

O autor:
Julius Balbin (1917-2006) nasceu em Cracóvia, Polônia, no seio de uma família judia. Foi preso pelos alemães e passou por vários campos de concentração. Após o fim da II Guerra Mundial estudou em Viena, Áustria, e emigrou em 1951 para os Estados Unidos da América, onde por muitos anos foi professor universitário, retornando à Europa em 2005. Faleceu em Aye, Bélgica. Publicou vários livros de poemas em esperanto, inglês e polonês.

Mais sobre Julius Balbin:
Em inglês: “Strangled Cries: A profile of poet Julius Balbin” – Alexander Kharkovsky;
Em esperanto: “Julius Balbin” – Wikipedia.

Um artigo de Julius Balbin (em inglês): “The Secret Malady of Esperanto Poetry” (1973).

Santarém, Pará, 8/3/2017. Leia e curta também no Blogspot.

A Cadela de Buchenwald [poema de Julius Balbin]

A CADELA DE BUCHENWALD
OU
RÉQUIEM PARA A PELE

(La Hundulino de Buchenwald aŭ Rekviemo por la Haŭto)

Julius Balbin
Traduzido do esperanto por Júlio César Pedrosa

Rasgada e cheia de cicatrizes das pancadas
e contraída pela fome,
coberta apenas por uma
fétida
camisa
listrada
esfarrapada,
tu eras mais do que somente pele:
eras um brinquedo –
objeto de exibição
para uma curiosidade mórbida.

De todos os demônios
dos infernos de Hitler,
Frau* Ilse Koch,
a vadia de Buchenwald*,
parecia apreciar-te a ti no mais alto grau;
e, particularmente, àqueles entre vós
a portar tatuagens,
que provocavam nela
um espasmo
de ideias vibrantes
de algum desenho
para seus abajures.

Certa vez
ela arranjou uma festa
para comemorar
sua nova exposição.
A mais admirada
pelos membros da SS e pelos guardas
eras tu
tão coloridamente tatuada
com as palavras
HAENSEL UND GRETEL*
brilhando acima da lâmpada.
Sim, pele,
os comentários
e olhares elogiosos deles
teriam sido mais podres
do que tu,
se tu tivesses apodrecido
na terra infestada de vermes.

Requiescat in pacem*,
pele,
as orgias dos bárbaros
acabaram.

1982

BALBIN, Julius. La Hundulino de Buchenwald aŭ Rekviemo por la Haŭto. In: Imperio de l’ Koroj: Du Poemaroj. Pizo, Italujo [Pisa, Itália]: Edistudio, 1989. p. 197-198.


Notas:

1- Frau – Em alemão no original: “senhora”.
2- Buchenwald – Campo de concentração nas proximidades de Weimar, estado da Turíngia (Thüringen), Alemanha.
3- Hansel und Gretel – Nomes alemães dos personagens João e Maria, respectivamente, da fábula de mesmo nome, recolhida e difundida pelos irmãos Grimm.
4- Requiescat in pacem – Em latim no original: “Descansa em paz”; é a origem da abreviação RIP.

O autor:

balbin-imperio-001Julius Balbin (1917-2006) nasceu em Cracóvia, Polônia, no seio de uma família judia. Foi preso pelos alemães e passou por vários campos de concentração. Após o fim da II Guerra Mundial estudou em Viena, Áustria, e emigrou em 1951 para os Estados Unidos da América, onde por muitos anos foi professor universitário, retornando à Europa em 2005. Faleceu em Aye, Bélgica. Publicou vários livros de poemas em esperanto, inglês e polonês.

Mais sobre Julius Balbin:
Em inglês: “Strangled Cries: A profile of poet Julius Balbin” – Alexander Kharkovsky;
Em esperanto: “Julius Balbin” – Wikipedia.

Um artigo de Julius Balbin (em inglês): “The Secret Malady of Esperanto Poetry” (1973).

Santarém, Pará, 29/11/2016. Leia e curta também no Blogspot.

Toda a Minha Vida

TODA A MINHA VIDA (Tuta Mia Vivo)
Armand Su (1936-1990)

Traduzido do esperanto por Júlio César Pedrosa.

Toda a minha vida é esperar
– esperar alguém
que não veio, não vem
e nunca virá.

Toda a minha vida é suspirar
– suspirar por alguém
que não existiu, não existe
e nunca existirá.

Toda a minha vida é amar
– amar alguém
que não me amou, não ama
e nunca amará.

Toda a minha vida é sofrer
– sofrer por alguém
que de mim não teve dó, não tem
e nunca terá.

Toda a minha vida é morrer
– morrer a esperar,
a suspirar,
a amar
e a sofrer.

SU, Armand. Mia Tuta Vivo. In:       . Poemoj de Armand Su. Unua eldono. Kompilita de Hu Guozhu kaj Shi Chengtai. Beijing, Ĉinio: Ĉina Esperanto-Eldonejo, 1992. p. 47-48.


Nota biográfica:
O poeta chinês Armand Su (pseudônimo de Su Chengzong) nasceu em 19 de novembro de 1936. Estudioso de literatura e tradutor, aprendeu mais de 20 idiomas, dentre os quais alemão, inglês, francês e russo.
Armand Su aprendeu esperanto em 1956. Algum tempo depois seus poemas começaram a ser publicados em revistas literárias em esperanto, e o autor se tornou conhecido dentro e fora da China. Escrevia e traduzia também em outras línguas.
Em 1968, em plena Revolução Cultural Chinesa, Su foi preso sob a acusação de conduta antirrevolucionária, devido à sua atividade como esperantista e tradutor/redator de línguas estrangeiras, e condenado a 20 anos de prisão. Adoeceu gravemente na cadeia e quase morreu; a doença lhe deixou sequelas e Su jamais se recuperou plenamente.
Em 1978, após 10 anos de cárcere, foi declarado inocente e libertado, retornando a suas atividades literárias, apesar dos problemas de saúde.
Faleceu em Tianjin, China, em 23 de setembro de 1990.
Em 1992 a Editora Esperantista Chinesa reuniu e publicou sua produção poética no volume Poemoj de Armand Su (“Poemas de Armand Su”).

Santarém, PA, 17/5/2016. Leia e curta também no Blogspot.

O Homem Primitivo [poema de Karolo Piĉ]

O Homem Primitivo
(La Prahomo)

Karolo Piĉ (Karel Píč), 1920-1995
Traduzido do esperanto por Júlio César Pedrosa.

Dizem
que a poesia é tão antiga quanto a humanidade.
Mas isso é um erro.
Pois de todas as artes
a literatura é a última.

O homem de Heidelberg
parece que ainda não falava.
Sua única poesia era o crepitar do fogo.

O neandertal não conhecia a escrita.

E o primeiro poema do homem primitivo de Altamira
não foi um soneto,
mas um bisão,
desenhado na parede de uma caverna.

La Prahomo

Fonte: Originalaj Poemoj en Esperanto (https://www.facebook.com/PoemoEnEsperanto).

Santarém, Pará, 29/9/2014. Editado em 26/8/2015.