Getsêmani

O Jardim das Oliveiras ou Getsêmani. Fonte: Wikipédia.
O Jardim das Oliveiras ou Getsêmani. Fonte: Wikipédia.

Num programa de rádio, ouvi discussão sobre a pronúncia do nome Getsêmani, localidade de Jerusalém também conhecida como Jardim das Oliveiras. Segundo o Novo Testamento, Jesus dirigiu-se a esse lugar para orar, antes de ser preso. O episódio é conhecido pelos cristãos (principalmente os católicos) como Agonia no Getsêmani ou, simplesmente, Agonia.

Mas a dúvida dos locutores do programa de rádio era: este GE é pronunciado como GUÊ ou JÊ?

Discussão tola, e seu motivo foi mesmo o nome de um cemitério famoso da cidade de São Paulo cujo nome é grafado Gethsêmani, com um H depois do T.

O fato é que em português o G antes de E e I é sempre lido como J e a grafia desse nome não tem H (em Portugal se escreve Getsémani, com É, pois lá a pronúncia da vogal tônica é aberta).

A palavra Getsêmani difundiu-se a partir do nome grego Γεθσημανή, usado nos evangelhos de Mateus e Marcos (Novo Testamento) e originário do nome aramaico גת שמנא, transliterado em caracteres latinos Gat Shmānê; em hebraico é גת שמנים, Gat Shmanim. Foi da forma latina Gethsemani que provieram a forma portuguesa e as demais em outras línguas.

Possivelmente a direção do cemitério adotou tal grafia híbrida (com H e acento gráfico) para diferenciar o nome da instituição do nome próprio do local citado na Bíblia.

Vejamos o texto bíblico na clássica tradução de João Ferreira de Almeida (Versão Corrigida e Revisada Fiel):

“Então chegou Jesus com eles a um lugar chamado Getsêmani, e disse a seus discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto vou além orar.” – Mateus 26:36.

“E foram a um lugar chamado Getsêmani, e disse aos seus discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto eu oro.” – Marcos 14:32.

Ao passar de uma língua a outra(s), as palavras sempre se adaptam à fonologia e pronúncia da língua receptora; a pronúncia de uma palavra na língua de origem não implica que no português deva ser também daquele jeito. Seja como for, o nome Getsêmani, mesmo sendo nome próprio, é tradicional, antigo e está incorporado ao patrimônio lexical do português e da cultura lusófona, pelo que se grafa e se pronuncia de acordo com as regras de escrita e fonologia de nossa língua: a pronúncia é JETSÊMANI ou JETSÉMANI, nunca GUETSÊMANI ou GUETSÉMANI.

É triste saber que parte de nossa população passa pela escola e sai dela sem conhecer as mais comezinhas normas de escrita e pronúncia da própria língua.

Creio que pelo menos os leitores costumeiros da Bíblia não têm a dúvida aqui citada – ainda que a leitura da Bíblia ou qualquer outro livro religioso não seja pré-requisito ou garantia de domínio da língua.

P.S.: Aos “primitivistas” e outros que rejeitam a pronúncia tradicional portuguesa de Getsêmani, sob a alegação de que não corresponde ao original, sugiro que usem o nome do local, então, na forma original em aramaico – mas está claro que muitos pensam ser a forma “original” aquela usada em inglês…

Santarém, PA, 7/7/2016.

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Subconsciente colonizado

A colonização cultural e mental de nosso povo fica cada vez mais evidente – pelo menos para mim.

Observo-a em certos detalhes, como o fato de correspondentes brasileiros de imprensa na França pronunciarem nomes franceses como se fossem ingleses. Não é só o nome da famosa torre parisiense, é todo e qualquer nome próprio.

Outros povos, ainda não dominados por essa mania, costumam ter dois procedimentos em face de uma situação destas:

1- Pronunciar tais palavras como na língua de origem; ou

2- Pronunciá-las como se fossem nomes de sua própria língua.

Os próprios francófonos não têm a menor vergonha de pronunciar palavras estrangeiras pela fonologia e fonética de sua própria língua.

Mas nós as pronunciamos como se fossem palavras inglesas, pois em nosso subconsciente achamos que só nós falamos o português e os demais povos todos falam inglês.

O trabalho já está feito; desmanchá-lo será difícil, senão impossível.

Pode parecer coisa pouca ou desimportante, mas não é.

Surfe e cia.

Um brasileiro venceu o campeonato mundial de surfe, título inédito para o Brasil. Uns vão dizer que esse título vale muito; outros dirão que não é tão importante assim.

O importante mesmo é lembrar que a palavra surfe se grafa com E no final, como muitas palavras inglesas adaptadas ao português: clube, turfe, esporte, bife; além disso, vários esportes têm seus nomes ingleses adaptados ao português: voleibol, basquetebol, beisebol, futebol, handebol, rúgbi etc.

Quanto à pronúncia, não há segredos; estas palavras, ainda que sejam de origem estrangeira e recente, pronunciam-se como as demais palavras portuguesas de estrutura semelhante.