Franz Kafka cancelado?

(Foto: WordPress.)

Quem diria?! Até ele?! Esses canceladores já estão indo longe demais!

Pessoal, aproveite para ler a obra de Franz Kafka enquanto é possível; se o cancelamento pegar mesmo, as editoras deixarão de publicá-lo, os tradutores deixarão de traduzi-lo, e a obra dele ficará cada vez menos acessível, e quem tiver seus livros não se desfará deles de jeito nenhum. Tornar-se-ão raridades valiosíssimas.

Mas não ficaremos sem ter o que ler. As livrarias estão abarrotadas de livros novinhos em folha de autores bonzinhos e politicamente corretos, que dizem exatamente aquilo que os formadores de opinião e os influenciadores atuais (e seus influenciados) querem ouvir. Nada do que eles dizem é cancelável… pelo menos por enquanto.

A qualidade desses novos autores talvez deixe a desejar, pois nenhum deles é um #Kafka, mas não se pode querer tudo.

Mas pelo menos teremos o que ler. 😀

P.S.: Ei, você aí! Você mesmo, que me levou emprestado um Kafka há um tempão e nunca devolveu. Faça-me o favor de devolvê-lo o mais rápido possível!

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USPício… ou o fim da crítica

Certo autor da moda, popular e badalado disse preferir escrever para encontrar leitores e não para a Universidade de São Paulo (USP), desprezando a crítica literária. Está em seu direito… e vendendo muito. O entrevistador ainda o parabenizou por quebrar o estereótipo do escritor branco, rico e vivendo no Sudeste.
A quem o entrevistador alude quando diz “escritor branco, rico vivendo no Sudeste”? João Antônio ou Ferréz? Jorge Amado era mineiro, sem dúvida nenhuma. Talvez se trate do milionário Plínio Marcos, nascido em berço de ouro nos Jardins, cuja escrivaninha feita de caixotes de madeira com certeza era só mais uma das excentricidades de sua “persona” marginal…
Enfim… Não sei se me sinto lisonjeado por ver a universidade em que me formei citada como sinônimo de crítica literária universitária ou se fico preocupado: estaria a crítica literária em extinção entre nós e a USP seria a única universidade brasileira ainda a praticar essa atividade tão difícil, quase desconhecida e desprestigiada? Seria a USP o último baluarte da crítica literária no Brasil?
A princípio tive medo de meus professores de crítica literária, que me assustavam com sua erudição, sua capacidade de relacionar obras e autores, escolas e correntes, escavando tantas coisas de um poema ou conto. Depois passei a sentir respeito e admiração por eles e por sua atividade ingrata, para a qual alguém se prepara por toda a vida, com muitas horas diárias de leituras, reflexões, anotações, comparações, com um olho nos clássicos da humanidade e outro nas novidades que dia a dia enchem as prateleiras das livrarias… e as listas de “best sellers” — só para depois ser xingado nas redes sociais porque a crítica não saiu favorável ao autor como ele e seus fãs esperavam.
Mas, alvíssaras!
A julgar pelos boatos que ainda ouço de minhas fontes, a USP está há um bom tempo no caminho da decadência, e logo, para a alegria de muita gente, a universidade mais odiada do Brasil chegará ao fim, e com ela a desprestigiada crítica literária universitária, que voltará a ser exercida em nosso país apenas por seus verdadeiros donos, os articulistas companheiros de jornais e blogues, ou pelos gringos que a inventaram.
Nunca mais uma obra literária será GONGADA nas páginas de crítica dos jornais brasileiros. Terá apenas palavras de aprovação!
Mas, no mais e afinal, por que perder tempo escrevendo crítica literária, séria ou a soldo, se os gringos podem fazê-la melhor do que nós… e em inglês?
Crítica para quê? Aos vencedores… o lucro da soja e da “proteína”!

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O Sobrado [Paulo Eiró]

O SOBRADO

Paulo Eiró (1836-1871)

Do céu à luz decadente
Contemplai esse sobrado
Que na face do presente
Lança o escárnio do passado:
Seu vulto negro ali está,
Nas trevas nódoa mais densa
Como sacrílega ofensa
Em alma perdida já.

Ei-lo! É no térreo degredo
Moço poeta a cismar,
Imóvel, como o penedo
Que escuta as vozes do mar.
Ei-lo aí! Dilacerado
Livro que o aquilão abriu,
E os segredos do passado
Aos meus olhos descobriu.

Esse teto quantos sonhos
Não abrigou de ventura!
Ai! quantos votos risonhos
Hoje o vento inda murmura!
Tristeza aqui não sentis?
Nessas lôbregas paredes
Tocante história não ledes
De alguma época feliz?

Apagou-lhe os caracteres
O tempo no andar veloz,
Imagem desses prazeres
Que deixam remorso após.
Passaste, oh quadra de amores,
Como o fumo em espiral,
E perdendo tuas flores,
Secaste, pobre rosal.

Como em uma alma abatida
Por paterna maldição,
No que foi templo de vida
Hoje impera a solidão.
Aqui, a lira inquieta
Furta-se aos cantos de amor,
Embarga a voz do poeta
Um acréscimo de dor.

O homem sonha monumentos
E só ruínas semeia,
Para pousada dos ventos;
Como os palácios de areia
Dos seus brincos infantis,
Mal divisa o que apetece,
Que tudo se desvanece…
Feliz quem amou! Feliz!


Paulo Eiró, poeta e dramaturgo paulista (1836-1871): https://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Eir%C3%B3.

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Machado de Assis: capacitista?

A discussão sobre alterações em trechos de livros de Monteiro Lobato, Roald Dahl, Ian Fleming e Agatha Christie, acusados de ferir a sensibilidade dos leitores por meio de frases tidas como preconceituosas, traz-me à memória aquele trecho do capítulo XXXIII de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, quando o narrador Brás Cubas comenta, após reparar no coxear* de Eugênia (a que ele faz alusão no capítulo anterior):


“O pior é que era coxa. Uns olhos tão lúcidos, uma boca tão fresca, uma compostura tão senhoril; e coxa! Esse contraste faria suspeitar que a natureza é às vezes um imenso escárnio. Por que bonita, se coxa? por que coxa, se bonita?”


Na lógica dos leitores sensíveis, parece que nem o cultuado Bruxo de Cosme Velho, maior glória da literatura nacional, escapou disso. Ninguém é perfeito…
Seria isso demonstração de capacitismo do autor? Insensibilidade e falta de consciência de classe de um homem negro e epilético? Ou estaria ele, em sua obra, mostrando a vida como ela é por meio de uma personagem vil, desprezível, asquerosa, infame, mas ainda assim tão parecida com muita gente com que convivemos todos os dias? Ou talvez parecida com nós mesmos?
Um erro cada vez mais arraigado hoje é o de confundir personagens ou o narrador de uma obra de ficção com o próprio autor da ficção. Há personagens racistas na obra de Machado de Assis; quer isto dizer que Machado era racista?
Estropiarão também a obra de Machado de Assis para evitar ferir a sensibilidade dos pobres leitores? Terão muito trabalho, a começar por esse livro que cito aqui, pois as personagens dele não são rasas, mas complexas, como são todos os seres humanos, e nisso reside o gênio do autor.
Mas talvez queiram edulcorar as personagens e trechos para que o texto machadiano se torne leve como um conto de fadas dos dias de hoje… Daí sairiam, com certeza, ótimos roteiros para filmes da Disney!
Ou talvez não se faça nada. Quem lê Machado de Assis hoje em dia? E quem o lê com vontade e prazer? Uma coisa é usá-lo como figura de luta política e racial, esfregando a negritude de Machado (e de Cruz e Sousa, Lima Barreto, João do Rio, Mario de Andrade…) na cara da “elite branca, macha, heterossexual e cis”; outra bem diferente é enfrentar sua obra sem a obrigação da leitura escolar.
Se a coisa rolar mesmo, estou aqui à disposição para fazer a revisão do texto, após a dilapidação dele, pois trabalho é trabalho. Pagando bem, que mal isso tem? Às favas com os escrúpulos, desde que ao vencedor sobrem as batatas — ou pelo menos algum cachê pela revisão textual.
Já a minha coleção completa de Machado de Assis ficará bem guardada, e nela ninguém porá a mão.


* Observação: coxo = manco; coxear = mancar.

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Encourado

Nunca li “Grande Sertão: Veredas” de Guimarães Rosa. (Não li também vários outros livros que já deveria ter lido, mas este eu cito por um motivo especial.)
Fala-se tanto desse livro, “opus magnum” de seu autor, que se criou em mim um grande receio dele. Lembro-me de que alguém chegou a dizer que para adentrar o “Grande Sertão” é preciso estar bem preparado, bem ENCOURADO.
Não o li até hoje porque temo lê-lo, não entender nada dele e me sentir burro.
Assim, entre a expectativa e a realidade de ler o livro e me sentir burro, fiquei apenas na expectativa.
Por enquanto. O tempo dirá até quando.

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Reinventando a roda

(Foto: WordPress.)

Há alguns anos, certo programa de TV “made in Manhattan” louvou um professor universitário norte-americano que defende a “procrastinação da criatividade” no mundo corporativo: ao invés de se “precrastinar” tudo, fazendo as coisas logo para se livrar delas e ganhar tempo (“time is money!”), ele propõe que se dê tempo ao exercício da criatividade para aproveitá-la melhor.
Muito interessante… mas nenhuma novidade!
Explico-me:
Há uns 2.000 anos, em sua célebre Epístola aos Pisões, mais conhecida como Arte Poética, o romano Quinto Horácio Flaco já falava sobre isso, ao criticar obras literárias feitas apressadamente e com pouco conteúdo artístico.
Horácio condenava os poetas preguiçosos, que publicavam suas obras sem passá-las por minuciosa e demorada revisão, e sugeria que um poema só poderia ser dado a público depois de apurado e polido longamente até não se encontrar nada a desaboná-lo.
Ou seja: a obra literária, assim como as outras peças artísticas, deve ser longamente pensada, limada, aparada, rasurada, revisada até que esteja pronta, sem nada para tirar ou acrescentar. E diz mais Horácio: sugere que a obra seja submetida a crítico de confiança e fique em repouso por oito (!) anos até ser publicada ou descartada.
As coisas estão um pouco diferentes de como eram na Roma do século I d.C.: hoje ninguém espera oito anos para publicar um livro, a não ser que não encontre editor (e as possibilidades atuais de editar textos em formato digital e publicá-los na Internet resolvem o problema dos que não se apegam ao livro impresso); mas ainda se precisa de tempo para fazer bem uma tarefa, seja ela qual for — seja um trabalho manual ou intelectual.
Nada mudou: desde um cortador de pedra ou carpinteiro egípcio até os projetistas de carros, aviões ou telefones celulares de hoje, passando pelos poetas, escultores, pintores, médicos, professores e advogados, aquilo de que um profissional mais precisa é de TEMPO.
É o desconhecimento do passado que leva a surgir, de vez em quando, gente a reinventar a roda ou redescobrir a América, propondo como novidades coisas antigas ou pouco conhecidas.
Resumiu tudo isso Fernando Pessoa, quando disse:
“E por isso a sua glória / É justa auréola dada / Por uma luz emprestada”.

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Oração para Marilyn Monroe [Ernesto Cardenal]

Uma das últimas fotos de Marilyn Monroe, parte de um ensaio feito por George Barris em 1962, cerca de três semanas antes da morte da atriz.
Fonte: https://www.hypeness.com.br/2020/03/ultimas-fotografias-tiradas-de-marilyn-monroe-em-ensaio-que-e-pura-nostalgia/

Hoje, 4 de agosto de 2022, completam-se 60 anos da morte de MARILYN MONROE, falecida tragicamente aos 36 anos. O célebre poeta nicaraguense Ernesto Cardenal homenageou-a com este poema, que reproduzo abaixo na bela tradução de Paulo de Carvalho Neto e no original castelhano.

ORAÇÃO PARA MARILYN MONROE
Ernesto Cardenal (1925-2020)

Senhor:
recebe a esta garota conhecida em toda a Terra
pelo nome de Marilyn Monroe,
embora este não fosse o seu verdadeiro nome
(mas Tu conheces o seu verdadeiro nome, o da órfã
violada aos nove anos
e da empregadinha de loja que aos dezesseis tinha querido
se matar)
e que agora vem à tua presença sem nenhuma
maquilagem
sem a sua Agente de Imprensa
sem fotógrafos e sem assinar autógrafos
tão sozinha como um astronauta diante da noite espacial.

Ela sonhou quando menina que estava nua numa igreja
(segundo a versão da Time)
diante duma multidão prostrada, com a cabeça ao chão,
e tinha de caminhar devagarinho para não pisar nas cabeças.
Tu conheces os nossos sonhos melhor do que um psiquiatra.
Igreja, casa, cova são a segurança do seio materno
e muito mais do que isso ainda…
As cabeças são os admiradores, é claro
(a massa de cabeças na escuridão por debaixo dos focos de luz)
Mas o templo não são os estúdios da 20th
Century-Fox.
O templo – de mármore e ouro – é o templo de seu corpo,
em que está o Filho do Homem com um chicote
na mão
expulsando os mercadores da 20th Century-Fox
que fizeram da Tua casa de oração um covil de ladrões.
Senhor
neste mundo contaminado de pecados e radioatividade,
Tu não culparás somente a uma empregadinha de loja
que como toda empregadinha de loja sonhou ser estrela de cinema.
E seu sonho foi realidade (mas como a realidade do tecnicolor).
Ela não fez senão representar segundo o script que lhe demos
– o de nossas próprias vidas – e era um script absurdo.
Perdoa-a, Senhor, e perdoa-nos
pela nossa 20th Century,
por esta Colossal Superprodução em que todos
trabalhamos.
Ela tinha fome de amor e lhe oferecemos
tranquilizantes,
para a tristeza de não ser santos
foi-lhe recomendada a Psicanálise.
Lembra-te, Senhor, de seu crescente pavor à câmara
e seu ódio à maquilagem – insistindo
em maquilar-se em cada cena –,
e como foi se fazendo maior o horror
e maior o incumprimento dos horários.
Como toda empregadinha de loja
sonhou ser estrela de cinema.
E sua vida foi irreal como um sonho que um
psiquiatra interpreta e arquiva.
Os seus romances foram um beijo com os olhos fechados
que quando no abrir dos olhos
descobre-se que foi dado sob os refletores
e apagaram os refletores!
e desmontaram as duas paredes da alcova (era
um cenário cinematográfico)
enquanto que o diretor vai embora com seu caderno
porque a cena já foi filmada.
O mesmo é com uma viagem em iate, um beijo em
Cingapura, um baile no Rio,
ou uma recepção no palacete do Duque e da Duquesa
de Windsor
vistos na TV de um apartamento pobre.
O filme terminou sem o beijo final.
Foi achada morta em sua cama com a mão
no telefone.
E os detetives ficaram sem saber a quem ela ia chamar.
Foi
como alguém que marcou o número da
única voz amiga
e ouve somente a voz de uma fita que lhe diz:
wrong number.
Ou como alguém que ferido pelos gângsteres
estende a mão sobre um telefone desligado.
Senhor:
quem quer que tenha sido aquele que ela ia chamar
e não chamou (e talvez não fosse ninguém
ou fosse Alguém cujo número não está no
Catálogo de Los Angeles)
atende Tu ao telefone!

CARDENAL, Ernesto. Oração para Marilyn Monroe. In: As riquezas injustas: antologia poética. Seleção e tradução de Paulo de Carvalho Neto. 2. ed. São Paulo: Círculo do Livro, 1982. p. 52-54.

Ernesto Cardenal (autor desconhecido). Fonte: https://famousbio.net/ernesto-cardenal-10038.html

Original em Espanhol:

Oración por Marilyn Monroe

Señor:
recibe a esta muchacha conocida en toda la Tierra
con el nombre de Marilyn Monroe,
aunque éste no era su verdadero nombre
(pero Tú conoces su verdadero nombre, el de la huerfanita
violada a los nueve años
y la empleada de tienda que a los dieciséis se había
querido matar)
y que ahora se presenta ante Ti sin ningún
maquillaje,
sin su agente do prensa,
sin fotógrafos y sin firmar autógrafos,
sola como un astronauta frente a la noche espacial.

Ella soñó cuando niña que estaba desnuda
en una iglesia
(según cuenta el Time)
ante una multitud postrada, con las cabezas
en el suelo,
y tenía que caminar en puntillas para no pisar
las cabezas.
Tú conoces nuestros sueños mejor que los psiquíatras.
Iglesia, casa, cueva, son la seguridad del seno materno,
pero también algo más que eso…
Las cabezas son los admiradores, es claro
(la masa de cabezas en la oscuridad bajo
el chorro de luz).
Pero el templo no son los estudios de la 20th
Century-Fox.
El templo – de mármol y oro – es el templo de su cuerpo,
en el que está el Hijo del Hombre con su látigo
en la mano
expulsando a los mercaderes de la 20th Century-Fox
que hicieron de tu casa de oración
una cueva de ladrones.
Señor:
en este mundo contaminado de pecados y radiactividad,
Tú no culparás tan sólo a una empleadita de tienda
que como toda empleadita de tienda
soñó con ser estrella de cine.
Y su sueño fue realidad (pero como la realidad
del technicolor).
Ella no hizo sino actuar según el script que le dimos
– el de nuestras propias vidas – y era un script absurdo.
Perdónala, Señor, y perdónanos a nosotros
por nuestra 20th Century,
por esa Colosal Super-Producción en la que todos
hemos trabajado.
Ella tenía hambre de amor y le ofrecíamos
tranquilizantes
para la tristeza de no ser santos
(se la recomendó el Psicoanálisis).
Recuerda, Señor, su creciente pavor a la cámara
y el odio al maquillaje – insistiendo
en maquillarse en cada escena –,
y cómo se fue haciendo mayor el horror
y mayor la impuntualidad a los estudios.

Como toda empleadita de tienda
soñó ser estrella de cine.
Y su vida fue irreal como un sueño que un
psiquíatra interpreta y archiva.

Sus romances fueron un beso con los ojos cerrados
que cuando se abren los ojos
se descubre que fue bajo reflectores
¡y apagaron los reflectores!
y desmontaron las dos paredes del aposento (era
un set cinematográfico),
mientras el director se aleja con su libreta
porque la escena ya fue tomada.
O como un viaje en yate, un beso en Singapur,
un baile en Río,
la recepción en la mansión del duque y la duquesa
de Windsor
vistos en la salita del apartamento miserable.

La película terminó sin beso final.
La hallaron muerta en su cama con la mano
en el teléfono.
Y los detectives no supieron a quién iba a llamar.
Fue
como o alguien que ha marcado el número de la
única voz amiga
y oye tan sólo la voz de un disco que le dice:
wrong number.
O como alguien que herido por los gangsters
alarga la mano a un teléfono desconectado.

Señor:
quienquiera que haya sido el que ella iba a llamar
y no llamó (y tal vez no era nadie
o era Alguien cuyo número no está en el
Directorio de Los Angeles),
¡contesta Tú el teléfono!

CARDENAL, Ernesto. Oración por Marilyn Monroe. In: BERGUA, José (Ed.). Las mil mejores poesías de la lengua castellana: ocho siglos de poesía española y hispanoamericana. 31. ed. Madrid, ES: Ediciones Ibéricas, 1995. p. 741-743. (Colección “Tesoro Literario”; n. 26).

Santarém, PA, 4 de agosto de 2020.
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