Não falareis em português!

Pois é… Criticaram quem, falando inglês macarrônico, convidou gringos a visitar o Brasil; alguns disseram que ele deveria falar em português mesmo, com legenda.

Concordo. Também acho. Eu faria o mesmo.

Mas por que a pessoa se arriscou a tamanho vexame? Por que não falou em português? O pronunciamento tornou-se viral…

Há quem defenda que brasileiro deve falar em inglês ou outra língua de prestígio (o que significa que o português prestígio não tem…). A Folha de S. Paulo pensa isso.

Em 2001, quando Fernando Henrique Cardoso esteve na Coreia do Sul, falou em inglês, enquanto os nacionais de lá falavam em coreano, com tradução simultânea para o português.

A “enviada especial” (quem? 🤔) da FSP à Coreia disse o seguinte sobre os coreanos que insistiam em ser coreanófonos:

“APESAR DE uma estratégia agressiva no mercado internacional e de apresentar um ALTO NÍVEL DE EDUCAÇÃO, os coreanos não abrem mão de sua língua.” (grifos meus)

O “apesar de” da FSP diz tudo: se você tem alto nível de educação, evite sua língua. Fale inglês, chinês, alemão, francês, espanhol ou outra língua importante, mas não o português. Como diz um faustônico histrião da TV, o “português não é língua, é código secreto”.

Já se você não teve a oportunidade de atingir alto nível educacional…

Eu, por exemplo, sou provinciano mesmo — um tanto por destino, outro tanto por defeito e opção, pois já chutei o pau da barraca faz tempo — e falo em português e esperanto, línguas “sem prestigio”.

Mas não tenho vergonha nenhuma disso: ambas me bastam… 😉💚

Já a Folha… essa não falha!

FSP 2001-01-19

Santarém, PA, 29 de junho de 2020. (Leia e curta também no Blogspot.)

De anglica lingua

Almoço indigesto: dois caras ao meu lado, tagarelando em inglês. Um era brasileiro, pois falou em português à moça que lhe anotou o pedido.
Comi o mais rápido possível para sair dali. Se tivesse levado fones de ouvido…
Nada tenho contra a língua inglesa ou contra seus falantes. (É… Contra alguns, em particular, tenho sim.) Como língua de canto, o inglês parece feito sob medida, talvez pela grande quantidade de monossílabos (o que também lhe vale o epíteto “língua dos cavalos”, pela fala “trotada” – não fui eu a criar isto, foi um indiano de Goa); mas, como língua de conversação, é-me intragável, insuportável, insustentável… Só assisto a filmes legendados se não há dublagem, ainda que ruim.
Por sorte nunca precisei emigrar (ou “ganhar o pão em língua estrangeira”, no dizer de Hélder Macedo) – e, se o fizesse, não seria para um país anglófono; também deixei de lado toda e qualquer veleidade de seguir carreira acadêmica: sem domínio do inglês, isso é impossível hoje, lamentavelmente. ☹️
Para meu cosmopolitismo particular, o esperanto 💚 já me basta e é suficiente – aliás, é todo um mundo e uma cultura, de que descubro um pouco todo dia.

Ingresia

Bem que o inglês poderia ser uma língua apenas escrita e cantada… Seria tão mais agradável! O inglês parece ter sido feito para a canção popular ou pop – talvez pelo grande número de monossílabos, o que ajuda a criar rimas e compôr versos.
Já na conversação… Causa-me muito incômodo ouvir pessoas falando em inglês, sejam nativos ou estrangeiros. Chega a dar-me engulhos… 😝
Deve ser por isso que eu nunca consegui aprender o inglês, perdi o tesão por isso já há muito tempo.
Bom… Na verdade o motivo não foi só esse: havia também motivos logísticos e dinheirísticos.
Mas contribuiu para o fato, é claro! 😉

Anacronismo magiar

Coisa que (ainda) muito me espanta é ver pessoas instruídas dizendo coisas absurdas, principalmente anacronismos, isto é, ideias e conceitos fora de seu contexto histórico. Se gente que estudou nas melhores escolas brasileiras diz coisas que tais…

Numa TV do tipo news, um conhecido empresário brasileiro, filho de húngaros, dá entrevista sobre sua vida e profissão. Diz que seu pai chegou ao Brasil após a II Guerra Mundial e só falava húngaro e alemão, pois lá “a segunda língua não era o inglês, mas o alemão”, como ele sabiamente nos informa. Nosso empresário de sucesso acrescenta que, além do português e do inglês, fala também húngaro, que aprendeu em casa.

Não vou comentar que ele diz ser o húngaro um idioma que “não tem utilidade nenhuma, falado por 11 milhões de pessoas, 10 milhões delas na Hungria”.

Húngaros já foram laureados 12 vezes com o Prêmio Nobel, sendo 1 deles o de Literatura. Se o húngaro é inútil, como afirma nosso célebre amigo, que dizer de línguas com menos falantes, como o estoniano, o letão ou o frísio? E as línguas indígenas brasileiras? As australianas? As de Papua Nova Guiné? As da África?

Prefiro o personagem José Costa do romance Budapeste, de Chico Buarque, o qual diz que “o húngaro é a única língua que o Diabo respeita”. Uma saída mais esperta – acho eu.

Mas o que me interessa aqui é outra coisa.

O inglês só se tornou este fenômeno que conhecemos após a II Guerra; até então, apesar do poderio do Império Britânico e da crescente dominação político-econômica dos EUA, a língua inglesa era bem menos influente. O francês era a língua da diplomacia e da cultura; regionalmente, outras línguas exerciam as mesmas funções, como o alemão na Europa Oriental e Bálcãs.

Não se tratava de capricho. Não tinha sido uma escolha por meio de plebiscito, com a disputa entre inglês e alemão e vitória deste idioma. Não foi resultado de grupo de trabalho ou medida provisória do Ministério da Educação da Hungria. A explicação vem da história.

Até a I Guerra Mundial, a Hungria fez parte do Império Austríaco, eufemisticamente conhecido como Império Austro-Húngaro (que de húngaro tinha pouco ou nada, pois era só austro, dominado pelos Habsburgos de Viena). O alemão austríaco era a língua do governo, da administração, do comércio e da indústria, da instrução, da ciência, das discussões no parlamento. No âmbito da Áustria-Hungria, todas as pessoas instruídas falavam alemão, não importando sua origem étnica.

Não era por outro motivo que um tcheco chamado Franz Kafka escrevia em alemão, e não em tcheco (Boêmia, Morávia e Eslováquia também eram parte do Império da Áustria).

Por muito tempo o alemão foi a segunda língua dos húngaros instruídos. Não creio que o deslocamento da Hungria para a órbita da União soviética e o crescente prestígio do russo junto ao governo e a intelligentsia dos países da Cortina de Ferro tenham mudado muito isso; o inglês como segunda língua é coisa recente, e na Hungria surge, como em outros lugares, há uns 25 anos, após a queda do comunismo.

Falar em inglês como segunda língua num contexto em que isto não seria possível é um grande, um tremendo anacronismo. Quem ouve nosso empresário dizendo tal coisa (ainda que tenha saído meio sem pensar) acha que naquela época havia opções e os húngaros resolveram ir contra a tendência do mundo livre!

Não duvido de que logo apareça um sabichão dizendo que a correspondência diplomática entre egípcios e hititas nos séculos XIV e XIII antes de Cristo era feita em acadiano, com escrita cuneiforme e suporte de tabuletas de argila, apenas porque nas chancelarias de Tebas e Hattusa não havia quem soubesse inglês. Ou que a expansão do latim pela Europa Ocidental, com o posterior surgimento das línguas neolatinas, ocorreu porque os gauleses, francos, iberos e lusitanos achavam o inglês muito difícil…

Santarém, PA, 26/9/2016.

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