Busologia #4

(Imagem: Internet.)

O ônibus intercâmpus da universidade permite, às vezes, ver tipos humanos um tanto (ou nem tanto) peculiares.
Hoje se sentou ao meu lado um cara muito magro; mas eu, que sou gordo, não ocupo o espaço que ele ocupava no banco. Espalhou-se por seu espaço e invadiu o meu. Inacreditável!
Não o recriminemos, porém.
O modo como escanchou em V as pernas permite supor que ele talvez tenha alguma condição anatômica congênita rara que o impede de fechá-las…
Cada um cuide de sua bagagem!

Busologia #3: Desconstruído

Eu estava esperando para embarcar no ônibus da universidade. Sempre entro por último, mesmo que tenha sido o primeiro a chegar à parada. Não há fila de embarque, e quando o ônibus encosta, junta-se um bolo de gente em frente à porta para entrar. Evito essa muvuca.
Quase todos já tinham entrado, e a pessoa na minha frente era uma aluna indígena. De repente apareceu um rapaz, um estudante jovem, talvez calouro, com mochila nas costas, vindo não se sabe de onde; ele não interrompeu o ritmo da marcha nem se importou com quem já estava ali: aproximou-se do carro e entrou, passando à frente da aluna que ia entrando.
A aluna não se importou com a furada de fila. Eu sim, mas meu espanto durou pouco. Que exemplar extraordinário! Que oportunidade eu tinha ali de observar “in loco” um verdadeiro macho desconstruído!
Sim, senhor! Desconstruidíssimo, o que ficou evidente por sua postura contestatória contra as imposições burguesas de ordenamento social. Afinal, marcação de tempo, relógios, cronômetros, cartões de ponto, catracas, crachás, filas etc. nada mais são do que ferramentas de controle usadas pela classe dirigente para submeter o povo. O cidadão macho desconstruído não respeita essas coisas.
E também não se preocupa em permitir que mulheres embarquem antes, mesmo que seja a vez delas. Mulheres primeiro? Por quê? Isso é cavalheirismo, uma ideologia patriarcal e machista que trata as mulheres como seres frágeis e dependentes do cuidado e proteção dos homens.
Abrir a porta do carro? Deixar a mulher entrar antes? Puxar a cadeira? Pagar toda a conta ou parte dela? Para o macho desconstruído, a mulher é uma igual, logo nada mais é que uma concorrente por recursos e serviços — inclusive o uso do ônibus universitário.
(Já o fato de ele ter passado à frente de uma mulher indígena é um mero detalhe que devemos relevar… Mas que não se repita, hein!)
E não se pense que o rapaz era estudante de Letras, Geografia, História ou outra das ideológicas Ciências Humanas. Nada disso: a julgar pela camiseta, ela era aluno das Exatas, mais precisamente de Engenharia, o que mostra que o desconstrutivismo deixou de ser típico das Ciências Inexatas e já invadiu as Desumanas…
É o mundo em mudança, meus camaradas, e as perspectivas são alvissareiras. A sociedade do futuro será bem melhor que a nossa, principalmente porque gente chata que respeita filas e outras invenções burguesas está a caminho da extinção.

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Busologia #2

Hoje embarquei no ônibus circular universitário e havia só um lugar vago: era ao lado de uma estudante que manuseava o telefone celular.
Estava sentada de forma descontraída, não encostada na janela, com as pernas abertas, e ocupava mais da metade do banco.
Eu disse “licença!” e me sentei. Acho que ela nem me ouviu. Ocupei a parte disponível do banco e fiquei com parte da “poupança” para fora.
Entendi o que sentem as mulheres que se sentam no ônibus, metrô ou trem ao lado de um cara folgado com as pernas escanchadas.
Mulheres, sintam-se vingadas! 😁😂🤣😂

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Busologia #1

Hoje eu finalmente percebi por que tanta gente se esforça e até se endivida para comprar um carro, uma motocicleta ou até mesmo uma bicicleta e fugir do transporte público: a trilha sonora que somos obrigados a ouvir nos ônibus às vezes dá engulhos.
Espero que, quando a universidade tiver sua estação de rádio, os motoristas do circular universitário sejam orientados a manter o rádio do ônibus sintonizado obrigatoriamente nela…
Com certeza, seja qual for, a programação da rádio universitária será bem mais agradável.

Coletivo universitário

(Foto: WordPress.)

O trajeto é curto, mas usar o ônibus da universidade às vezes nos propicia experiências curiosas e dignas de observação.
Sempre se acha alguma coisa dentro do veículo, por exemplo. Além de garrafas vazias de água e embalagens de guloseimas, já achei até um par de meias dentro do ônibus; e, recentemente, ao me sentar num dos assentos, vi no chão algo muito esquisito. A julgar pela aparência meio escurecida e encarquilhada, pensei que um morcego tinha entrado no ônibus, morrido dentro dele e se mumificado ali. Mexi naquilo com a ponta do guarda-chuva e verifiquei que era apenas uma casca de banana ressecada.
Tentar entrar no veículo já propicia a observação da vida como ela é. Não se formam filas nas paradas do circular universitário, mas sim bolos de gente que se amontoam em frente à porta do ônibus quando ele para, formando um funil para embarcar nele. Chegar cedo não é garantia de entrar primeiro e tomar um assento vazio. Não raro alguém chega quando o carro já está parado e com os passageiros entrando, e na maior caruda se enfia entre o povo e embarca antes de quem já estava lá. Fura o funil! E sob os protestos de… ninguém. A palavra “fila” deve estar em falta nos dicionários de muita gente.
Geralmente eu chego um pouco antes da saída do ônibus e entro nele por último, mesmo que tenha sido um dos primeiros a chegar ali. Deixo que todos entrem e depois entro eu, mesmo que fique em pé. Pressa para quê?
Acho que causo certa estranheza a alguns alunos, que talvez me olhem com curiosidade. Tenho o dobro da média de idade deles e estou sempre com meu crachá visível. Poucos servidores usam o ônibus da universidade, pois muitos deles têm carro, e talvez os alunos me vejam ali como um tipo de espião ou olheiro da instituição… (Ou pareço eu um barnabé fracassado?) A falta de confiança em quem tenha mais de 30 anos parece ainda estar valendo!
Há algumas semanas, entrei por último e vi um assento vazio no fundo do ônibus. No meio do corredor, um casal de estudantes: um dos membros do casal, sentado num banco; o outro, ao lado e em pé, com uma mochila enorme nas costas e abraçado a quem estava sentado. O corredor estava quase totalmente bloqueado. Com o carro já em movimento e chacoalhando-se, cheguei perto da dupla e disse: “Com licença”. Sem resposta. Repeti com mais ênfase: “Com licença!”. Nada. Estava diante de uma rocha, uma coluna ali plantada. Fiquei nas pontas dos pés, espremi-me como pude e passei quase deslizando sobre o mochilão. Acho que nem perceberam.
(Nas costas de algumas pessoas, mochila parece corcova, que num camelo ou dromedário tem sua utilidade, dada pela natureza.)
Sentei-me no banco vago no fundo do ônibus e fiquei observando o casalzinho ali no meio do corredor, no maior “love”, numa “nice”, ambos alheios ao entorno, e um deles atravancando a passagem.
Logo me veio à mente isto: aquele indivíduo não sobreviveria um dia no transporte coletivo de São Paulo.
Fiquei imaginando alguém bloqueando daquele jeito o corredor de um ônibus da linha Perus-Pinheiros, ou da linha Horto Florestal-USP, ou Jardim Míriam-Vila Gomes, ou Penha-Lapa, Lapa-Socorro, Socorro-Limão, Jardim das Oliveiras-Parque D. Pedro II, Capelinha-Praça da Bandeira…
Seria comido vivo.

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