FUVEST

Em certo estado brasileiro, o governo estadual recepcionou festivamente em palácio e felicitou estudantes dali que foram aprovados no vestibular da Universidade de São Paulo (USP), que é instituição estadual, não federal. (Guardem esta informação.)

Enquanto isso, universidades (inclusive federais) de vários estados instituem normas para dificultar a aprovação de estudantes de outros estados em seus vestibulares.

Que desfaçatez!

Em meu curso eu tive colegas de vários estados. Lembro-me de um colega acriano que contou sua epopeia de uma semana de viagem de ônibus para fazer a habilitação e a matrícula.

Havia lá muitos alunos estrangeiros também. Conheci gente do Gabão, Angola, Costa do Marfim, Mauritânia, Paraguai, Peru, Rússia, China, Alemanha, Japão. Até uns ianques apareciam por lá às vezes — não sei por quê, já que eles se gabam de ter as melhores universidades do mundo. O que poderiam aprender lá, já que eles produzem “o conhecimento” e não têm mais onde enfiar seus prêmios Nobel? 🤔

Nunca soube que a instituição em que me formei rejeitasse alunos de onde quer que viessem.

Comprazo-me nisso.

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Coletivo universitário

(Foto: WordPress.)

O trajeto é curto, mas usar o ônibus da universidade às vezes nos propicia experiências curiosas e dignas de observação.
Sempre se acha alguma coisa dentro do veículo, por exemplo. Além de garrafas vazias de água e embalagens de guloseimas, já achei até um par de meias dentro do ônibus; e, recentemente, ao me sentar num dos assentos, vi no chão algo muito esquisito. A julgar pela aparência meio escurecida e encarquilhada, pensei que um morcego tinha entrado no ônibus, morrido dentro dele e se mumificado ali. Mexi naquilo com a ponta do guarda-chuva e verifiquei que era apenas uma casca de banana ressecada.
Tentar entrar no veículo já propicia a observação da vida como ela é. Não se formam filas nas paradas do circular universitário, mas sim bolos de gente que se amontoam em frente à porta do ônibus quando ele para, formando um funil para embarcar nele. Chegar cedo não é garantia de entrar primeiro e tomar um assento vazio. Não raro alguém chega quando o carro já está parado e com os passageiros entrando, e na maior caruda se enfia entre o povo e embarca antes de quem já estava lá. Fura o funil! E sob os protestos de… ninguém. A palavra “fila” deve estar em falta nos dicionários de muita gente.
Geralmente eu chego um pouco antes da saída do ônibus e entro nele por último, mesmo que tenha sido um dos primeiros a chegar ali. Deixo que todos entrem e depois entro eu, mesmo que fique em pé. Pressa para quê?
Acho que causo certa estranheza a alguns alunos, que talvez me olhem com curiosidade. Tenho o dobro da média de idade deles e estou sempre com meu crachá visível. Poucos servidores usam o ônibus da universidade, pois muitos deles têm carro, e talvez os alunos me vejam ali como um tipo de espião ou olheiro da instituição… (Ou pareço eu um barnabé fracassado?) A falta de confiança em quem tenha mais de 30 anos parece ainda estar valendo!
Há algumas semanas, entrei por último e vi um assento vazio no fundo do ônibus. No meio do corredor, um casal de estudantes: um dos membros do casal, sentado num banco; o outro, ao lado e em pé, com uma mochila enorme nas costas e abraçado a quem estava sentado. O corredor estava quase totalmente bloqueado. Com o carro já em movimento e chacoalhando-se, cheguei perto da dupla e disse: “Com licença”. Sem resposta. Repeti com mais ênfase: “Com licença!”. Nada. Estava diante de uma rocha, uma coluna ali plantada. Fiquei nas pontas dos pés, espremi-me como pude e passei quase deslizando sobre o mochilão. Acho que nem perceberam.
(Nas costas de algumas pessoas, mochila parece corcova, que num camelo ou dromedário tem sua utilidade, dada pela natureza.)
Sentei-me no banco vago no fundo do ônibus e fiquei observando o casalzinho ali no meio do corredor, no maior “love”, numa “nice”, ambos alheios ao entorno, e um deles atravancando a passagem.
Logo me veio à mente isto: aquele indivíduo não sobreviveria um dia no transporte coletivo de São Paulo.
Fiquei imaginando alguém bloqueando daquele jeito o corredor de um ônibus da linha Perus-Pinheiros, ou da linha Horto Florestal-USP, ou Jardim Míriam-Vila Gomes, ou Penha-Lapa, Lapa-Socorro, Socorro-Limão, Jardim das Oliveiras-Parque D. Pedro II, Capelinha-Praça da Bandeira…
Seria comido vivo.

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Desuniversidade

Universidade brasileira é acerbamente criticada (onde? nas redes sociais, é claro!) por proposta de criar centro de pesquisa em outra região do país.
Dizem seus detratores que a instituição deveria pesquisar apenas em seu estado de origem. Ah, tá.
Enquanto isso, a mesma universidade assina acordo com centro de pesquisa de um país africano para colaboração na formação de docentes. E o povo desse país parece não ver problema algum em trabalhar com instituições de outras regiões ou países.
Assim caminha a brasilidade.

Discurso (não proferido)

No último dia 5 de novembro, por ocasião das comemorações dos dez anos de fundação da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), universidade onde trabalho, fui homenageado, juntamente com outros servidores, durante a cerimônia.
Quando soube que haveria essa homenagem (fomos avisados antes), fiquei apreensivo, pois não gosto de expor-me assim. Preferia não ser chamado lá para a frente: “E se quiserem discurso?” 🤔😱
Rascunhei um discurso rápido, que depois melhorei; iria imprimi-lo e levá-lo no bolso, uma página só, para o caso de precisar. Mas, por sorte, isso não estava previsto, pois haveria várias pessoas a homenagear, a mesa teria muitas autoridades, e a cerimônia seria longa. Ufa!
Não o joguei fora, porém (não jogo nada fora!); publico-o aqui, como agradecimento e depoimento de quase uma década de trabalho.

 

DISCURSO (que não proferi)

5 de novembro de 2019

Agradeço a homenagem que recebo aqui hoje, apesar de não me considerar merecedor dela: ser eu o primeiro servidor técnico-administrativo concursado a assinar seu termo de posse na Universidade Federal do Oeste do Pará não foi resultado de mérito, mas sim um golpe de sorte, uma brincadeira do destino. Eu, inconsciente, estava lá, naquele momento… e fez-se!

Ainda assim, recebo de boa mente esta honraria, que tenho por reconhecimento de meu amor pela instituição. É grande minha satisfação por ser um servidor público federal, e maior satisfação ainda tenho de ser servidor da Ufopa, que eu vi nascer no local mais privilegiado e aprazível da Amazônia, às margens do mais belo rio do mundo ─ o Tapajós. À Ufopa tenho dado o melhor de mim, tenho feito o melhor possível, e mais ainda farei, se o puder. Não sou concurseiro: na Ufopa não estou de passagem, nem para brincadeira, e espero ainda contribuir por muito tempo para ela.

A Ufopa cresceu muito nestes dez anos, resultado do esforço de seus professores, técnicos e alunos; talvez tenha crescido menos do que queriam alguns, e mais do que esperavam outros.

Mas devemos olhar é para o futuro, com base no agora: alunos formados pela Ufopa já ocupam posições de destaque no meio acadêmico, profissional e científico, e recebem prêmios; professores participam de importantes projetos de pesquisa nacionais e internacionais; técnicos também se destacam e recebem prêmios e menções honrosas ─ e cada um de nós conhece ao menos um desses membros proeminentes de nossa Comunidade Ufopiana.

Se nossa universidade já se destaca localmente por sua formação humana e técnica, por sua produção científica e cultural, que começa a espraiar-se pelo País, levando longe o seu nome, fico a imaginar o que a Ufopa terá alcançado quando estiver celebrando seus 20, 30, 50 anos de vida!

O potencial da Ufopa é imenso; e ela será o que nós fizermos dela. Se cada um de nós der o melhor de si por nossa Universidade, a Ufopa não conhecerá barreiras nem terá limites.

Parabéns, Ufopa! Muito obrigado!

Júlio César Pedrosa