A muralha

(Foto: WordPress.)

Numa realidade alternativa, a cidade de Jericó, capital de um pequeno estado cananeu, resistiu bravamente ao cerco a que foi submetida por um povo invasor vindo do deserto.
As trombetas do inimigo troaram ensurdecedoramente; o esturro dos cães de guerra gelou o sangue da população sitiada; uma magia desconhecida pareceu tornar o dia em noite e a noite em dia… mas suas muralhas não ruíram. Jericó não caiu.
Milênios após esses eventos, arqueólogos e historiadores chegaram a consenso em pelo menos uma coisa: os restos encontrados naquele sítio arqueológico demonstram que houve ali uma batalha longa, feroz, encarniçada, em que os jericoenses venceram um invasor cuja identidade até hoje é desconhecida.

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Os Palestinos [Fausto Wolff]

Em 1982, o jornalista brasileiro Fausto Wolff, após visitar campos de refugiados palestinos no Líbano (onde entrevistou Yasser Arafat), publicou o livro “Os palestinos: judeus da 3ª Guerra Mundial”, relançado em 1986. Profecia? Espero que não se confirme.

Ainda vale a leitura. 👇

WOLFF, Fausto. Os palestinos: judeus da 3ª Guerra Mundial. Prefácio de Fernando Morais. Ensaio fotográfico de Juca Martins. 136 p. 2. ed. São Paulo: Alfa-Ômega, 1986. [1. ed. 1982].

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Ladrão por ladrão…

(Foto por Evan Velez Saxer em Pexels.com.)

Uma das personagens mais infames e execradas da história da Amazônia brasileira foi Sir Henry Wickham (1846-1928), um faz-tudo inglês sobre o qual o jornalista Joe Jackson escreveu um livro, publicado no Brasil com o sugestivo título de O Ladrão no Fim do Mundo (Objetiva, 2011).
Ladrão? Sim, senhoras e senhores. Ladrão. Mas também biopirata, contrabandista, vagabundo, herói do Império… a depender do ponto de vista.
“‘Que foi que ele roubou? Que foi que ele fez?’ Os brotos responderam todos de uma só vez…”
Não, não, não, não. O malandro do Wickham não roubou um coração nem uma joia pendurada num cordão; seu roubo foi de muito maior monta: ele contrabandeou para a Inglaterra sementes de seringueira (Hevea brasiliensis), que foram cultivadas e melhoradas nos laboratórios botânicos de Sua Majestade.
Em sua perambulação pelo mundo, Wickham chegou à cidade paraense de Santarém em 1871, onde morou por alguns anos, tentando cultivar seringueiras. Encontrou apoio na comunidade de norte-americanos, que era numerosa e importante na região. Com certeza ele se sentiu em casa…
Muita gente não sabe que os estadunidenses confederados que emigraram para o Brasil após a derrota na Guerra Civil Americana (1861-1865) não se estabeleceram apenas no interior de São Paulo, onde seus descendentes ainda hoje fazem Festas Confederadas, com trajes e comidas da época, e hasteiam bandeiras da Dixieland; muitos americanos se fixaram em outras partes do País, como em Santarém, no Pará. Algumas famílias e indivíduos ficaram pouco tempo em Santarém e retornaram aos Estados Unidos, mas várias famílias americanas se estabeleceram definitivamente na região Oeste do Pará, deixando seus sobrenomes na antroponímia local, e parte de seus descendentes paraenses ainda se orgulha de sua origem confederada.
Mas voltemos a Henry Wickham. Em 1876, possivelmente com a ajuda de gente da região, Wickham juntou, empacotou e acondicionou cuidadosamente em cestos cerca de 70 mil sementes de seringueira, enganou os agentes da fiscalização em Belém do Pará e levou as sementes para a Inglaterra. As mudas conseguidas a partir dessas sementes foram plantadas em possessões britânicas no Sudeste Asiático, e essas seringueiras de além-mar, sem as pragas e outros empecilhos naturais amazônicos, adaptaram-se muito bem lá, produziram muito e causaram grande impacto no mercado internacional de látex. Era o fim do monopólio sul-americano da borracha, e dos efeitos dessa débâcle a Amazônia brasileira demorou muito a se recuperar – se é que se recuperou…
Anos depois, sua contribuição para o Império Britânico seria, enfim, reconhecida, e graças a isso Wickham seria armado cavaleiro de Sua Majestade. De vagabundo a gentleman, de biopirata a Sir!
Mas este artiguinho não se acaba aqui. A história humana é complicada, a brasileira é ainda mais, e as coisas nunca são tão simples como parecem… Passemos da borracha para o café.
Ainda me lembro das aulas de história do antigo ginásio. Aprendi então que o cultivo do café foi introduzido no Brasil, mais precisamente na então província do Grão-Pará, por Francisco de Melo Palheta (1670-1750), militar luso-brasileiro nascido em Belém. Palheta, numa missão para restabelecer a fronteira com a Guiana Francesa, foi até Caiena, onde conseguiu, clandestinamente, sementes e mudas de cafeeiro, que ele plantou e cultivou em suas terras na cidade paraense de Vigia.
Segundo consta, as sementes e mudas foram um presente da esposa do governador de Caiena… Qual terá sido a ligação entre Palheta e a esposa do governador? Não o sei, apenas suponho. Já nos dias atuais não adiantaria esconder o affair, pois uma hora ou outra ficaríamos sabendo de tudo através da imprensa de fofocas.
O cultivo do café era assunto de Estado na França, na Holanda e na Inglaterra, que exerciam grande controle de suas colônias para evitar o contrabando de suas sementes e mudas para os concorrentes. Mas os franceses não esperavam que a esposa do governador de Caiena fosse generosa além da conta com o enviado da Coroa Portuguesa, não menos ladrão de “commodities” do que outros antes e depois dele, incluindo-se na longa lista nosso conhecido Wickham.
O resto é história. A cultura do café espalhou-se pelo País, e o “ouro negro” dominou nossa economia até o século XX. No Império e na República, o Brasil ficou sob o domínio do Rei Café por muito tempo.
Pois é isto: ora roubando aqui, ora sendo roubado ali, assim também se fez a história do Brasil.
Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.

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Traumas regionais

“Os paulistas nunca superaram 1932” — disse recentemente um intelectual numa entrevista a um canal do YouTube. Concordo com ele, que completou: “É o único povo que comemora uma derrota”.
Já nisto ele está errado, pois não se trata de caso único ou isolado.
Os gaúchos também nunca superaram a derrota na Revolução Farroupilha ou Guerra dos Farrapos (1835-1845), que eles relembram anualmente todo dia 20 de setembro.
Os pernambucanos, por sua vez, talvez não tenham superado também o fim da Confederação do Equador (1824), liderada por eles, que foram punidos com a perda da Comarca do Sertão, desmembrada e cedida a Minas Gerais, e logo depois, definitivamente, à Bahia: é o enorme território baiano a oeste do rio São Francisco.
Estes não são os únicos exemplos do tipo na história do Brasil. Será que os paraenses já superaram o infame episódio da Adesão do Grão-Pará à Independência do Brasil, assinada em 15 de agosto de 1823 pelas lideranças políticas da província, sob a mira dos canhões de navios ancorados na baía do Guajará, os quais ameaçavam de bombardeio sua capital?
E os cariocas? Já superaram o trauma de o Rio de Janeiro ter deixado de ser a capital da República, de uma hora para outra e sem a necessária preparação e adaptação da cidade à sua nova condição? Mas os cariocas têm alguém em quem pôr a culpa: o goiano Toniquinho Soares, que num comício da campanha para presidente de 1955, em Jataí, perguntou (espontaneamente ou incitado?) a Juscelino Kubitschek se ele cumpriria a constituição e construiria a nova capital. Pego de surpresa (ou será que não?), JK se viu obrigado a responder que sim. Ali foi traçado o destino do Rio. JK venceu. Deu no que está dando… E nenhum paulista tem nada que ver com isso. 
Como nação ou em nível regional, nós brasileiros ainda temos muitos traumas para superar. Nossa jornada nunca foi fácil, e apontar os traumas e dificuldades de superação dos outros não ajuda em nada.
Glória no passado? Há controvérsias. Paz no futuro? Talvez, mas a depender do que começarmos a fazer agora.

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Reconquista futebolística

(Imagem: Wikipédia.)

Numa realidade alternativa*, a reconquista cristã da península Ibérica jamais ocorreu.
Após a invasão muçulmana de 711 da Era Comum**, comandada por Tárique, cujas tropas atravessaram as Colunas de Hércules e mudaram o curso da história, diversos impérios muçulmanos, sediados na própria península ou fora dela, alternaram-se no domínio da Ibéria e de outras partes da Europa até meados do século XX (fins do século XIII da Hégira), quando se iniciou o processo de descolonização de Al-Ândalus e outras terras que, depois de mais de 12 séculos de colonização e domínio islâmico, voltaram a ser governadas pelos próprios infiéis, para desgosto dos crentes.
Surgiram diversas monarquias e repúblicas, cujas populações, de forma espantosa, tinham permanecido predominante e culturalmente cristãs e falantes de línguas românicas, celtas, germânicas ou bascas: Galiza, Aragão, Algarve, Leão, Castela, Astúrias, Occitânia, Aquitânia, Vascônia, Francônia, Barcelônia, Provença…
A coragem e determinação desses povos na resistência política e pela manutenção de sua cultura, em face de dominadores tão poderosos e sofisticados, é até hoje exemplar e inspiradora para muita gente, não somente no campo político.
Na Copa do Mundo de 2022, realizada na Irlanda (a primeira num país cristão), a sensação foi a seleção do Algarve, que eliminou as seleções do bicampeão mundial Egito e do Marrocos, três vezes campeão mundial.
Metade dos jogadores do Algarve naquele campeonato tinha nascido fora do país: eram filhos de imigrantes algarvianos estabelecidos em ricas ex-metrópoles — na Otomânia, no Irã, no Egito, na Grã-Mugália ou no Magrebe — que escolheram defender a seleção do país de seus pais, para alegria e delírio da galera decolonial.
“Viva a alegre seleção do Algarve, civilização ibérica invadida pelo Magrebe, que derrotou Egito e Marrocos!”; “O castigo para os árabe-islâmicos tarda mas não falha!”; “Alá é grande, mas Deus é algarbiense!”; “Al-Maraduna*** virou Al-Mara-Nada!” — estes e outros ditos de triunfo semelhantes circularam muito por aqueles dias de euforia, quando o selecionado de um humilde e pequeno país ibérico humilhou as potências políticas e econômicas nos campos da Irlanda, redimindo e alegrando os povos oprimidos e os trabalhadores imigrantes — pelo menos enquanto durou a cerveja****…

* Isto é um exercício livre de ficção alternativa contrafactual. É tudo invenção. Entrem no espírito da coisa, por favor. Não me levem a sério. 😉
** Algumas pessoas parecem achar que antes de 711 não existiam populações humanas na península Ibérica. Só isso explica certas besteiras que se leem por aí na rede. Ou é ignorância ou má-fé.
*** O egípcio Al-Maraduna, nessa realidade alternativa, foi um dos maiores jogadores do mundo, tendo capitaneado sua seleção na conquista do bicampeonato mundial em 1986, na copa realizada em Sumatra.
**** Contrariando decisão da FIFA, presidida por um ex-árbitro de Timbuctu, o rei irlandês João IV O’Brien liberou a cerveja nos estádios.

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A Peste [Albert Camus]

“Do morro escuro subiram os primeiros foguetes dos festejos oficiais. A cidade saudou-os com uma longa e surda exclamação. Cottard, Tarrou, aqueles e aquela que Rieux tinha amado e perdido, todos, mortos ou culpados, estavam esquecidos. O velho tinha razão, os homens eram sempre os mesmos. Mas essa era a sua força e a sua inocência, e era aqui que Rieux, acima de toda a dor, sentia que se juntava a eles. Em meio aos gritos que redobravam de força e de duração, que repercutiam longamente junto do terraço, à medida que as chuvas multicores se elevavam mais numerosas no céu, o Dr. Rieux decidiu, então, redigir esta narrativa, que termina aqui, para não ser daqueles que se calam, para depor a favor dessas vítimas da peste, para deixar ao menos uma lembrança da injustiça e da violência que lhes tinham sido feitas e para dizer simplesmente o que se aprende no meio dos flagelos: que há nos homens mais coisas a admirar que coisas a desprezar.
“Mas ele sabia, porém, que esta crônica não podia ser a da vitória definitiva. Podia, apenas, ser o testemunho do que tinha sido necessário realizar e que, sem dúvida, deveriam realizar ainda, contra o terror e a sua arma infatigável, a despeito das feridas pessoais, todos os homens que, não podendo ser santos e recusando-se a admitir os flagelos, se esforçam no entanto por ser médicos.
“Na verdade, ao ouvir os gritos de alegria que vinham da cidade, Rieux lembrava-se de que essa alegria estava sempre ameaçada. Porque ele sabia o que essa multidão eufórica ignorava e se pode ler nos livros: o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca, pode ficar dezenas de anos adormecido nos móveis e na roupa, espera pacientemente nos quartos, nos porões, nos baús, nos lenços e na papelada. E sabia, também, que viria talvez o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordaria os seus ratos e os mandaria morrer numa cidade feliz.”

Trecho final de A PESTE (La Peste) de Albert Camus. Tradução de Valerie Rumjanek. 23. ed. Rio de Janeiro: Record, 2017.

Terminei de lê-lo na madrugada de 18 para 19 de março de 2022, mais de dois anos após o início da pandemia do novo coronavírus; completando dois anos de (semi)quarentena e trabalho domiciliar, saindo de casa apenas quando extremamente necessário e tendo incorporado a máscara como acessório indispensável. E em preparação para o retorno ao trabalho presencial.
Que leitura funesta para tempos de pandemia de covid-19! — dirão alguns. E coincidindo com o fim da pandemia… — dirão outros.
Fim da pandemia? Chegamos mesmo ao fim da peste? A julgar pelas estatísticas diárias…
E, afinal, de que peste estamos mesmo falando?

Santarém, Pará, 24/10/2021.
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Alienígenas do Passado

Na primeira vez que vi, há vários anos, no canal History, um episódio desse programa, achei-o uma piada! Cri então que ele não teria vida longa, pois era fantasioso demais, principalmente por estar sendo exibido numa TV voltada à história. Mas o que o canal History menos tem é história.
Enganei-me redondamente, pois. O programa já é exibido há mais de dez anos, e parece que não deixará de ser produzido tão cedo. Onde conseguem material para tanta baboseira?
Para quem não conhece, trata-se de um programa que explora as possíveis influências de extraterrestres na história humana. Segundo os “teóricos dos antigos astronautas”, os ETs estariam controlando os humanos desde tempos imemoriais, conduzindo a história humana a seu bel-prazer, escolhendo ora este, ora aquele povo, fornecendo-lhes conhecimento, tecnologia, proteção. Pirâmides egípcias e maias, zigurates caldeus, muralha da China, moais da Ilha de Páscoa, Machu Picchu, Stonehenge, Atlântida, os gigantes citados na Bíblia, pólvora, escrita, rádio, energia nuclear, DVD, viagra… Tudo teria sido feito com tecnologia dos ETs ou sob sua influência, direção, sugestão.
Os deuses e heróis nada mais seriam que alienígenas vistos em seus trajes espaciais e suas naves reluzentes; o patriarca Enoque e o profeta Elias teriam sido levados pelos ETs em suas naves (no caso de Elias, um carro de fogo, que partiu num redemoinho).
Aliás, os hebreus parecem ter gozado da proteção de ETs: teriam saído do Egito com a ajuda deles, responsáveis pelos milagres de Moisés na corte do faraó e pela coluna de fogo que protegeu os filhos de Israel do exército do faraó e pela abertura do mar para sua passagem; até o maná que os hebreus comeram durante os 40 anos no deserto teria sido produzido por uma máquina alienígena, cujo projeto parece ter-se conservado e chegado às mãos dos “especialistas”… 🤔
O programa consiste nisto, pois: hipóteses mirabolantes sobre a possível influência de ETs na história humana. É apresentado por Giorgio Tsoukalos e sua inconfundível cabeleira, que recebem diversos autores de livros sobre os antigos astronautas e assuntos relacionados, os quais comentam o tema do episódio. O principal deles, o mais cultuado e celebrado é o suíço Erich von Däniken, que na década de 1960 deu o pontapé inicial a essa coisa toda com “Eram os deuses astronautas?”. Mas Däniken, condenado e preso por fraude, além de acusado de plágio, parece ter-se “inspirado” no francês Robert Charroux (1909-1978), que publicou vários livros sobre supostas visitas de alienígenas à Terra.
Engana-se, porém, quem pensa tratar-se de um conjunto de hipóteses racistas com o fito de diminuir, menosprezar as conquistas tecnológicas de povos não europeus, pois nem mesmo a Europa teria escapado da influência dos antigos astronautas.
Exemplos? Segundo os defensores dessas hipóteses, a Armada Invencível espanhola, que em 1588 partiu para invadir a Inglaterra, teria sido desbaratada e destruída com a ajuda dos ETs, que teriam protegido os ingleses, escolhidos como os novos representantes dos interesses dos alienígenas na Terra. E a Alemanha nazista teria tido acesso a tecnologia alienígena para armas e foguetes, mas parece que os alemães não souberam aproveitar o presente, pois estariam mais interessados em exterminar gente que eles consideravam inferior. Resultado: os ETs mudaram de lado e escolheram os EUA, covencedores da II Guerra Mundial.
O resto da história todos conhecemos. Sabemos quem manda no mundo. Mas quem os controla? 😱
A mim, “Alienígenas do Passado” sempre proporcionou muito boas risadas. A criatividade dos teóricos dos antigos astronautas parece não ter fim.
É sempre uma boa pedida quando se quer desopilar o fígado. 😂🤣😂🤣😂

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