Peixe na Páscoa e pindaíba

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Fonte: http://casaunb.blogspot.com.br

Já se tornou uma rotina anual na vida de Maria Aparecida. O dia é a Sexta-Feira da Paixão; o local é uma área de comércio de uma grande cidade brasileira, onde pessoas formam filas para receber peixes distribuídos gratuitamente. A iniciativa é quase sempre de comerciantes locais, associados ou por iniciativa própria, que todos os anos realizam essa ação social, o que garante que pessoas carentes possam celebrar a Páscoa dentro da tradição católica de comer peixe nesta data.

Maria Aparecida levantou-se cedo, antes de nascer o dia. Andou um tanto a pé, tomou um ônibus – “Graças a Deus já não preciso pagar condução!” – e posicionou-se na fila, já formada e com bastante gente. A distribuição logo começa. Nada de bacalhau, é claro – e caro! Merluza, tainha, pescada-branca, cavalinha, sardinha – estes e outros peixes são distribuídos em porções mais ou menos iguais e suficientes, garantindo a muitas famílias a peixada do fim de semana pascal.

Como de costume na Semana Santa, a mídia pauta-se pela cobertura da celebração da segunda principal data do calendário da Cristandade. As matérias jornalísticas repetem-se ano a ano: o crescimento da indústria do chocolate e as novidades nos formatos e sabores dos ovos e outras chocolatagens; a Via Dolorosa em Jerusalém; filipinos que se pregam a cruzes; o aumento do preço dos peixes e outros frutos do mar; dicas para economizar no almoço de Páscoa… além dos muitos acidentes automobilísticos causados por má condição das estradas, imprudência ou apenas excesso de álcool.

Um repórter de televisão aproxima-se da fila e entrevista Maria Aparecida, uma senhora que aparenta pouco mais de 60 anos; respondendo a questionamentos do jornalista, ela diz que é aposentada, mora com uma filha e alguns netos e veio, como nos anos anteriores, em busca de peixe para a Páscoa, pois o preço do pescado sobe muito nesta época e ela não o pode comprar. O repórter pergunta a ela: “Há quanto tempo a senhora vem aqui para buscar o peixe que os comerciantes distribuem?” Ela responde: “Que eu me lembre, já faz uns 15 anos ou mais.”

Ao ver isso na TV, fico pasmado… 15 anos! Começo a pensar no fato e digo a meus botões que alguma coisa está errada. Como pode isso? Quer dizer que nos últimos 15 anos essa senhora não conseguiu melhorar sua condição social de modo que possa comprar ela mesma seu próprio peixe? Ou será que apenas aproveita a facilidade de receber peixe de graça? A primeira hipótese é a mais plausível, creio na sinceridade do depoimento de Maria Aparecida, condizente com situações que nós mesmos observamos no dia a dia; e o caso dessa senhora não é exceção, mas apenas um dentre muitos.

O Brasil, apesar das transformações que sofreu nas últimas décadas, não tem possibilitado ainda a todos os seus filhos uma melhoria visível e palpável nas condições de vida – pelo menos dentro do que se poderia esperar em face do crescimento econômico que vimos tendo. A economia diversifica-se; as safras de grãos e a criação de gado quebram seus recordes, ano após ano; grupos empresariais brasileiros adquirem empresas no exterior; empresários brasileiros aparecem entre os mais ricos do mundo; o País desponta como autossuficiente em petróleo, anunciando a descoberta de enormes estoques em sua faixa litorânea – é o Pré-Sal, que já produz.

O salário-mínimo teve ganho considerável na última década, ainda que esteja longe do valor que deveria ter. A extensão dos direitos trabalhistas aos empregados domésticos (em sua maioria, mulheres) garante segurança jurídica a muitos trabalhadores das cidades. A Voz do Brasil anunciou há algum tempo que, no primeiro trimestre de 2014, a criação de novos empregos cresceu 14% em relação ao mesmo período de 2013; nunca tivemos tantos trabalhadores com carteira assinada, dizia a reportagem. E o Governo Federal prometeu (já é promessa antiga, de fato) reduzir para 5 (cinco, sim!) dias a demora para abertura de empresas no País.

Vozes discordantes, porém, já vêm há tempos classificando a situação econômica do País como preocupante, devido a um visível processo de desindustrialização em curso. Será mesmo? Talvez. É fato que o Brasil deve seu desempenho econômico recente, em grande parte, à exportação de commodities, o que, a meu ver, não é o ideal; devíamos exportar também produtos industrializados, mas estamos importando-os da China – aliás, indústrias nossas têm fabricado lá e importado e distribuído aquilo que antes se fazia aqui. Isto não me parece bom.

Reclama-se ainda da lentidão na necessária ampliação da infraestrutura de energia, de transportes e comunicações; das dificuldades impostas pela burocracia pesada e suas taxas; da baixa média escolar da população e da falta de mão de obra qualificada; da ainda pouca produção de pesquisas científicas e patentes; da telefonia e Internet caras e de baixa qualidade; dos blecautes ou apagões que atingem algumas regiões; da falta d’água devido à ausência de planejamento e melhor uso dos recursos hídricos…

Embora os problemas de infraestrutura, educação e saúde persistam devido, entre outros motivos, a empecilhos como uma burocracia em parte incapaz, emperrada e lenta, a falta de planejamento e a tendência nefasta de ações governamentais feitas a toque de caixa – problemas crônicos do Brasil –, não se pode acusar o Estado brasileiro de nada ter feito nos últimos anos para reduzir a miséria e fazer crescer o poder aquisitivo da população mais pobre; diga-se o mesmo de ações afirmativas (apesar de polêmicas e com resultado efetivo sempre discutível) ou do acesso a medicamentos mais baratos, além da expansão da rede pública de ensino. Programas sociais como a Bolsa Escola, criada por FHC e continuada por Lula, que a ampliou e mudou o nome para Bolsa Família, realmente possibilitaram o aumento da renda de muitíssimas famílias por todo o País – ainda que se discorde da estratégia de dinamizar a economia por meio de distribuição de benefícios em dinheiro. O programa Mais Médicos, apesar de polêmico, mostrou resultados, sendo suas ocorrências negativas tidas apenas como casos isolados. É fato verificável o avanço social – e os desvios são exceções a ser corrigidas.

Não sei por quantos anos ainda Maria Aparecida continuará a sair de casa, na Sexta-feira da Paixão, para receber de graça o peixe necessário à conservação da tradição e da fé que recebeu de seus pais e avós. Oxalá suas condições de vida melhorem e ela possa ir ao mercado e comprar o peixe que quiser, sem depender de ninguém.

As futuras gerações, não importa que crenças tenham, com certeza verão tudo isto como fatos de uma época de transição, de saída de um mundo de desigualdades para uma era de bem-estar social. Assim esperamos.

P.S.: Estava faltando falar da palavra pindaíbaOs dicionários a definem como “falta de dinheiro”, e “estar na pindaíba” é “estar sem dinheiro, na penúria”; o mais intrigante, porém, é saber donde veio esse termo brasileiríssimo.

É muito provável que a palavra pindaíba seja originária da língua tupi. Em tupi, pinda’yba significa “vara de pescar”; é termo composto de pindá, “anzol”, e -‘yba, sufixo nominalizador com a noção de “árvore, planta” e usado geralmente com nomes de frutos. O elemento -‘yba entra em várias palavras presentes no português, como:

  • cabreúva ou cabureíba, caboreíba – de kaburé-‘yba, “árvore do caburé” (kaburé é uma espécie de mocho ou coruja – a forma portuguesa é caburé ou caboré);
  • cajaíba – de akaiá-‘yba, “cajazeira”;
  • carapanaíba – de karapanã-‘yba, “árvore do carapanã” (esta planta é usada como repelente natural de insetos; carapanã é termo comum na Amazônia para mosquito ou pernilongo);
  • maniva – de mani-‘yba, “planta da mandioca”, mais precisamente a parte aérea da planta; já mandioca originou-se de mani-‘oka, “mani de arrancar”, termo que designa as raízes da maniva. Maniçoba veio da palavra tupi mani-soba, “mani-folha”, ou seja, é designativo das folhas da planta (soba = “folha”).

Assim, uma explicação para o fato de pindaíba, em português, significar “falta de dinheiro” é que a pessoa na pindaíba está em tamanha penúria, que precisa pescar para comer, daí a necessidade da vara de pescar. O resto vem das transformações de forma e sentido que a línguas sofrem sem cessar.

Para terminar: O termo pindá entra na formação de Pindamonhangaba, nome de uma cidade paulista do Vale do Paraíba do Sul. O nome provém da composição tupi pindá-monhang-abapindá + monhang “fazer” + (s)aba, sufixo nominalizador usado geralmente com verbos, com o sentido de “lugar, instrumento, tempo”, variando o sentido de acordo com o contexto. Portanto, pindá-monhang-aba significa “lugar de fazer anzóis”.

Santarém, Pará, 18/4/2014. Editado em 30/3/2015.

Hóquei, handebol e hanseníase

olimpiadas2Dentro do espírito esportivo e olímpico já instalado entre nós, faltando cerca de um ano e meio para a Olimpíada do Rio de Janeiro, toco num assunto que me vem à mente muitas vezes, quando acompanho transmissão de disputas esportivas internacionais e contagem de medalhas. A febre olímpica que toma conta da mídia na época dos jogos me faz refletir sobre a dificuldade que têm os professores de português em seu papel de conduzir os alunos ao domínio das normas de pronúncia e grafia da língua culta, pois esse ensino é, todo o tempo, desautorizado e desmentido pelo “descuido” de parte da imprensa, descuido que é motivado por problemas estruturais de nossa educação e cultura.

Antes de explicar o que quero dizer com isso, revisemos um aspecto ortográfico de nossa língua portuguesa.

Em sua maioria, as palavras portuguesas começadas com a letra H são de origem latina ou grega. Os próprios latinos já a usavam para representar o fonema /h/, e também para transliterar o sinal conhecido como espírito áspero (ʽ), que representa na ortografia grega, no início das palavras, o mesmo /h/. Com a difusão do alfabeto latino, o H passou a ser usado na escrita de várias línguas, entre as quais as germânicas (inglês, alemão, holandês etc.) para representar esse fonema ou algum outro semelhante a ele.

HNa ortografia portuguesa, assim como na castelhana, italiana, francesa e catalã, a letra H é um sinal sem nenhum valor fonológico, isto é, não representa fonema (é claro que não é isso o que ocorre quando essa letra toma parte dos dígrafos CH, LH e NH, que representam fonemas — mas não trataremos disso aqui). Nas palavras em que se emprega o H isolado – sempre no início delas –, trata-se de um sinal etimológico, isto é, um indício de que, no étimo (palavra de que se originaram outras), havia o fonema /h/: é o caso das palavras hoje, homem, hífen, hermético, hiato, híbrido, herói, Hélade, heleno, Hermengarda, hélice, hálito, húmus, Hamburgo, hambúrguer, Hércules e muitas outras. O fonema representado em inglês, alemão e outras línguas pela letra H não existe em português, e o H português, sozinho, não representa fonema algum, motivo pelo qual as palavras iniciadas em português com essa letra soam como se fossem iniciadas por vogal.

Nos programas jornalísticos e esportivos, porém, alguns nomes iniciados por H são pronunciados à maneira anglo-saxã, isto é, lê-se a palavra como se fosse inglesa ou alemã, mesmo quando é grafada conforme as normas do português. Observei isso durante os noticiários esportivos, pois os locutores e apresentadores, sem exceção, pronunciavam os nomes hóquei e handebol com uma consoante inicial aspirada, inexistente em nossa língua, apesar de esses nomes aparecerem grafados de forma correta (nessas situações que observei, a palavra handebol tem também a sílaba tônica deslocada, de oxítona para proparoxítona).

Trata-se de uma grande confusão, em que vemos raríssimo fenômeno de palavras com grafia vernácula e pronúncia estrangeira (fenômeno que é como jabuticaba, isto é, só existe no Brasil). O que ocorre geralmente é o contrário disso: quando um vocábulo estrangeiro entra em nossa língua, tornando-se de uso corrente, ele se adapta ao nosso sistema fonológico-fonético, ou seja, acomoda-se a nosso sistema fonológico e a nossos hábitos de pronúncia. Mais tarde, adapta-se a palavra à nossa ortografia: nossa pronúncia vernácula de palavras como football, baseball, abat-jour, surf, club, sleeper e snooker é que levou às grafias portuguesas futebol, beisebol, abajur, surfe, clube, chulipa e sinuca, respectivamente; estas palavras são e devem ser, portanto, pronunciadas portuguêsmente, como as demais palavras de nossa língua que com elas se parecem.

Até mesmo os documentários de televisão, dos quais se esperaria mais cuidado com o texto, apresentam as mesmas confusões de pronúncia. É irritante assistir a um documentário dublado na TV e ouvir o locutor, ao se referir às “hostes turcas que cercavam Constantinopla”, pronunciar a palavra hostes (lê-se [óstes]) como rostes.

Por quê? Onde ele aprendeu isso? Ainda se fosse numa conversa espontânea e informal, poder-se-ia relevar o deslize. Mas ouvir isso num texto que foi traduzido e depois lido em estúdio por um profissional de dublagem é indicação de falta de preparo.

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G. H. A. Hansen (1841-1912), descobridor da causa da hanseníase. (Wikipedia)

Também digna de nota é a pronúncia do termo hanseníase, até mesmo na publicidade dos órgãos públicos de saúde: conquanto se costume pronunciar à inglesa o nome do descobridor do bacilo de Hansen – na verdade, era norueguês –, o nome da doença causada por aquele micro-organismo tem grafia e pronúncia vernáculas; portanto, em nossa língua, o H de hanseníase não “soa”, ainda que isso não seja respeitado pela imprensa. Quem não gosta do nome lepra, devido a toda a carga pejorativa que essa palavra traz, sinta-se então à vontade para usar, em seu lugar, hanseníase, mas a pronúncia é [anseníaze]. Outra opção é dizer mal de Hansen – aqui se pode pronunciar o H, mas não em hanseníase.

E mais: tais deslizes de prosódia atingem até mesmo palavras de outras línguas, pois nomes de origens diversas são, na imprensa, pronunciados como palavras inglesas. Nos dias de hoje, graças ao grande avanço tecnológico das comunicações, as notícias chegam de todos os pontos do mundo, e, apesar de haver milhares de línguas — e também por causa disso —, as agências de notícias distribuem os textos em inglês, língua internacional do momento (!?); pelo que seria pedir demais, além de pedante, querer que as pessoas, mesmo que cultas, saibam pronunciar todos os nomes estrangeiros conforme as línguas de origem. Compreensível.

Mas quando essa anglicização chega ao cúmulo de nomes espanhóis e franceses serem pronunciados como se fossem palavras inglesas, não sei o que dizer. Nós brasileiros, que tanto admiramos os povos de língua inglesa e nos esforçamos para ser como eles, poderíamos imitá-los também nisso: não ter vergonha de pronunciar nomes estrangeiros conforme a fonologia/fonética de nossa língua, pois se há uma coisa de que os anglófonos não têm vergonha é de sua língua, e não têm vergonha também de pronunciar os nomes estrangeiros à sua própria maneira, sem se importar com o que os outros pensam ou dizem.

Para arrematar este ponto: em português, as palavras iniciadas com H — inclusive nomes geográficos, como Hanói (cidade vietnamita) — devem ser pronunciadas como se iniciadas com vogal, pois esse H é apenas um sinal etimológico.

Concluo este artigo falando do nome da capital chinesa.

Muitos nomes geográficos, conhecidos do grande público há pouco tempo, não têm forma vernácula portuguesa; neste caso, o que podemos fazer é grafá-los de acordo com a grafia de origem ou conforme a transliteração mais usual na imprensa internacional (no caso de línguas que não utilizem o sistema de letras latinas). Mas quando há formas portuguesas  já estabelecidas, estas é que devem ser usadas, pois, além de tradicionais, são as que encontramos nas enciclopédias, dicionários e outras obras de referência.

Parece que a “descoberta” da língua inglesa por alguns tradutores e jornalistas brasileiros despejou em nossa imprensa grande número de nomes ingleses de países, cidades, localidades etc., totalmente desnecessários. É o caso de Beijing, transcrição, em letras latinas, do nome da capital da China. O nome dessa cidade, em português, há muito tempo é Pequim, e temos formas portuguesas para diversos nomes de localidades chinesas: Tibete, Cantão, Xangai, Macau, Taipé (capital de Formosa, ilha independente mais conhecida como Taiwan), NanquimManchúria, nomes que podemos usar sem medo de errar ou passar por retrógrados (este parece ser o medo de muita gente).

Estes nomes estão no português há séculos — lembremo-nos de que os portugueses foram os primeiros europeus modernos a chegar ao Extremo Oriente (Índia, Indochina, China e Japão), e muitos termos oriundos de línguas orientais entraram nas línguas europeias trazidos pela língua portuguesa.

Mas parece que toda essa antiguidade cultural e linguística, de que outros povos sentiriam orgulho, tornou-se motivo de vergonha, e o cuidado de escrever respeitando as normas e tradições de grafia e pontuação tornou-se cafonice. É notável, ainda que lamentável.

Em futuro artigo continuarei este assunto, tratando de alguns nomes geográficos e suas formas portuguesas.

Santarém, Pará, 23/8/2012. Editado em 14/3/2017.

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Nossa Única Posse [poema de Julius Balbin]

Julius Balbin (Fonte: http://miresperanto.com/en/articles/strangled_cries.htm)
Julius Balbin
(Fonte: http://miresperanto.com)

Nossa Única Posse
(Nia Sola Posedaĵo)

Julius Balbin (1917-2006)
Traduzido do esperanto por Júlio César Pedrosa.

No gueto
onde ainda
era possível
fazer amor
eu a encontrei.
Ambos tínhamos dezesseis anos
e nos envergonhávamos
De nossos corpos nus.
Tomando um ao outro pelas mãos
Abraçávamo-nos timidamente.

No campo de concentração
fomos separados
pelo arame farpado
mas nosso ardor
ignorava barreiras.

Os holofotes
das torres de guarda
espionavam a escuridão
enquanto eu rastejava
na direção das barracas das mulheres
por sob os arames
e me contorcia
entre vida e morte.

Eu alcançava a porta,
abria-a
e furtivamente deslizava
até onde o sussurro de minha amada
me guiava, à cama de cima,
Onde nua ela esperava.

O pesadelo da realidade
era engolido
pelo abismo
de nosso abraço
e nós íamos
ao topo
de tudo o que é humano
penetrando um no outro.

As mulheres à nossa volta
dormiam suspirando ou roncando
enquanto nós estávamos além de tudo,
contendo nossas paixões
ou silenciando nossos gemidos.
Amávamos
na febre que nossos corpos
nunca conheceram.

Não possuíamos nada
além de um ao outro.
Dividindo esses momentos
nós nos movíamos no ritmo
da lua e das estrelas
que brilhavam acima de nós
eternamente.

BALBIN, Julius. Nia Sola Posedaĵo. In: AULD, William. (Org.). Esperanta Antologio: Poemoj. 1887-1981. Rotterdam: UEA, 1984, pp. 760-762.

Notas:

1- Julius Balbin (1917-2006) nasceu em Cracóvia, Polônia, no seio de uma família judia. Foi preso pelos alemães e passou por vários campos de concentração. Após o fim da II Guerra Mundial estudou em Viena, Áustria, e emigrou em 1951 para os Estados Unidos da América, onde por muitos anos foi professor universitário, retornando à Europa em 2005. Faleceu em Aye, Bélgica. Publicou vários livros de poemas em esperanto.

2- Sobre a tradução: No poema acima, o único sinal de pontuação usado pelo autor é o ponto (.). Acrescentei algumas vírgulas onde vi que elas eram necessárias, devido à estrutura de nossa língua e para não fugir ao sentido do texto original, deixando o restante do texto com a pontuação (ou a falta dela) original, o que, a meu ver, contribui para melhor apreender o clima do poema; creio que a falta de vírgulas é elemento significativo deste poema. O leitor compreenderá por si mesmo e dirá se tenho ou não razão.

3- Publico este texto traduzido no âmbito das celebrações ocorridas por ocasião dos 70 anos da libertação, por tropas soviéticas, do campo de concentração de Auschwitz (em polonês Oświęcim), Polônia, ocorrida em 27 de janeiro de 1945.

4- O texto original pode ser lido na página do atalho a seguir, acompanhado de traduções de J. E. Nagy em húngaro e romeno:
http://www.ipernity.com/blog/199659/338252.

5- Mais sobre Julius Balbin:
Em inglês: “Strangled Cries: A profile of poet Julius Balbin” – Alexander Kharkovsky;
Em esperanto: “Julius Balbin” – Wikipedia.

6- Um artigo de Julius Balbin (em inglês): “The Secret Malady of Esperanto Poetry” (1973).

Santarém, Pará, 31/1/2015. Editado em 17/3/2015.

Redes sociais

Você está ocupado e, de repente, soa um sinal de seu dispositivo eletrônico (computador, tablet, telefone celular): é uma notificação do Facebook ou coisa semelhante.

Você corre para pegar seu dispositivo (o telefone, provavelmente), aperta um botão, vira a página com um dedo ainda molhado (estava lavando pratos, por exemplo) e lê:

“Fulano de Tal comentou seu status.”

“Que legal!”

Você aperta outro botão, vai à publicação em questão, procura o comentário e lê:

“KKKKK”

Sim, há certas emoções que somente as redes sociais nos podem proporcionar…

Santarém, PA, 16/3/2015. Editado em 27/4/2016.

Só curto quem me curte

Bambu 2

Disse sabiamente o grande filósofo Kon-Fuzo:

Na vasta e intricada rede em que fomos lançados e inexoravelmente nos encontramos conectados, o frágil equilíbrio interacional depende da constante apreciação recíproca de seus atores.

Resumindo: “Só curto quem me curte. E vice-versa.”

Teoria do Recalque

A Teoria do Recalque cresce espalhando-se, sendo cada vez mais usada para explicar o porquê de algumas pessoas não gostarem de certas coisas ou outras pessoas.

Comentando sobre grafite, um especialista disse que uma explicação para o fato de algumas pessoas não gostarem de grafite e o acharem “um lixo” é que essas pessoas jamais terão o dinheiro que alguns grafiteiros e artistas de rua ganham em exposições no exterior.

Agora descobri, portanto, por que não gosto do “Rei” Roberto Carlos: eu gostaria de ter o dinheiro, o iate, a fama, as mulheres, o amor dos fãs e tudo o que ele tem, além de ter uma vez por ano um programa especial só para mim na TV Globo. Como não tenho nada disso, odeio o Roberto Carlos.

Só pode ser por recalque…

Obrigado, cara! Sem sua explicação, embasada na Teoria do Recalque, eu jamais saberia o porquê de o mundo inteiro estar certo e só eu, apenas eu, estar errado por não amar o “Rei”…

É o Brasil contribuindo para a ciência e a filosofia mundial.

Mais sobre este assunto recalcado: Dr. Funk explica… o recalque!

Santa Ignorância

És doutor em Israel e ignoras essas coisas? (João III, 10)

Cada dia me convenço mais da acuidade e atualidade deste versículo. Que visionário Ele era!

Como pode alguém, depois de passar por várias etapas de formação e atingir um patamar a que poucos chegam, ignorar coisas básicas de processos pelos quais essa mesma pessoa passou?

Pensei tratar-se de leviandade; depois de refletir um pouco, cheguei à conclusão de que se trata de ingenuidade ou ignorância. Ou ambas as coisas. Só pode ser isto.

Parece que os néscios têm um santo que os protege…