Paraolímpico, paralímpico

Fiz uma rápida pesquisa sobre o porquê das formas paralímpico(a) e paralimpíada, já que, de acordo com a etimologia e as regras de prefixação do português, as formas adequadas são paraolímpico(a) e paraolimpíada. A respeito deste assunto, achei explicação apenas na página Dúvidas de Português (http://duvidas.dicio.com.br/paraolimpico-ou-paralimpico/), além da Wikipédia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Jogos_Paraol%C3%ADmpicos), nas quais se diz que a palavra paralímpico veio do inglês paralympic, que é a junção de paraplegic e olympic.

Não se trata, portanto, de um simples e corriqueiro (quase instintivo) processo de prefixação (junção do prefixo para- ao substantivo olympic ou olímpico), mas sim da criação de uma nova palavra com pedaços de duas outras.

Este processo ocorre com nomes próprios de produtos ou pessoas e até de países, como é o caso da Tanzânia, cujo nome provém da junção de partes dos nomes Tanganica e Zanzibar (com adição da terminação latina -IA), as duas ex-colônias britânicas que se uniram para formar aquele país africano. (Nem vou citar os milhares de nomes próprios que se criam no Brasil com partes dos nomes dos pais, tios, avô ou prima etc.; todo brasileiro conhece alguém cujo nome tem origem nesse tipo de combinação.)

Em português o termo paraolímpico(a) é o resultado natural do processo de prefixação de para- ao substantivo/adjetivo olímpico(a). Poder-se-ia suprimir o A final do prefixo (a exemplo dos pares hidroelétrico e hidrelétrico, hidroavião e hidravião e outros), mas nunca o O inicial do radical que o recebe: parolímpico(a).

O Brasil adotou nos documentos oficiais o uso dos termos paralimpíada e paralímpico(a), seguindo tendência internacional; mas é claro que as formas paraolímpico(a) e paraolimpíada continuam valendo e podem ser usadas livremente – isto é algo que ninguém pode proibir.

Assim, aqueles que optam por usar as formas paraolímpico(a) e paraolimpíada têm razão em fazê-lo, pois tais termos já estão estabelecidos e estão de acordo com a estrutura e a tradição de nossa língua, ainda que os termos oficiais do momento sejam paralímpico(a) e paralimpíada.

Santarém, PA, 14/9/2015. Editado em 9/9/2016.

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Domingão da Independência

Foto: Júlio César Pedrosa, 9/9/2015 Local: Travessa Turiano Meira, esquina com Av. São Sebastião – Santarém, PA

Parece que este ano os festejos de Sete de Setembro foram bastante animados em Santarém, Pará: os organizadores do 1º Domingão da Independência estavam “alegres” bem antes das comemorações, já durante a preparação e divulgação do evento, como se vê pelos erros do cartaz abaixo.

Se não, como explicar INDENPENDÊNCIA, ÍNICIO, PRÊMIAÇÃO, HRS?

Já a crase em até às é possível, desde que se tenha aqui a preposição a depois de até e antes de as 15:00h. (A locução até a é equivalente a até; é correta, mas julgo desnecessária, pois só até já expressa o sentido preciso.)

Mas uma coisa é certa: se o revisor de texto deles for demitido, quem assume é o Aécio…

Santarém, Pará, 9/9/2015.

Reforma ortográfica radical

Eis que pinta por aí mais uma proposta de reforma ortográfica do português, desta vez de forma radical: querem eliminar o H, o Ç, o SS, o CH, fixar Z como única representação do fonema /z/ etc. Mas tem-se a impressão de que a proposta de reforma ortográfica é movida menos pela vontade de racionalizar a escrita do que pela preocupação com a dificuldade de dominar a escrita em português, sua acentuação gráfica e pontuação.

Um resumo da proposta pode ser visto aqui:
http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/08/comissao-do-senado-estuda-abolir-c-ch-e-ss-da-lingua-portuguesa-4577821.html.

A ortografia do português é resultado de um processo histórico. A língua transformou-se com o tempo, o sistema fonológico reorganizou-se e a ortografia não acompanhou isso.

Escrevemos casa com S porque em latim se escrevia assim, apesar de ter pronúncia diferente; o mesmo se diga de exército, exame, cebola, face, gelo, axila, sintaxe, almoxarifado, alface, gesso, agasalho, camisa e muitíssimas outras palavras de origem latina, grega, árabe, germânica etc. Isto é exemplo de escrita etimológica, isto é, de acordo com a origem das palavras.

Grafamos chama, chapéu e chave com CH porque a pronúncia, até o século XVII (e talvez XVIII), era diferente: o CH do português representava o mesmo fonema do espanhol CH; portanto, nossos ancestrais linguísticos pronunciavam TCHEIRO, TCHAPÉU, TCHAMA, TCHAVE, FATCHADA, CATCHORRO etc. A pronúncia mudou, a grafia ficou. (Em algumas regiões rurais de Portugal, porém, ainda é funcional a oposição entre os fonemas representados por X (como em roxo) e CH (como em chapéu), o que significa que o processo de neutralização ainda se encontra em curso.)

Parece-me esta apenas mais uma proposta radical (como outras que já apareceram) de reformar a ortografia, combinando grafia com pronúncia, sem levar em conta os hábitos linguísticos dos demais países que falam português e as diversas variações decorrentes da posição ou combinatória dos fonemas; além disso, seus proponentes parecem conhecer pouco sobre a dinâmica das línguas em geral ou sobre fonologia e fonética (são áreas de estudo diferentes, apesar de próximas e com base no aspecto sonoro das línguas).

A ortografia de uma língua deve abranger todas as suas pronúncias. Todos escrevemos porta, falar, pasta e asma do mesmo jeito, apesar das muitas pronúncias possíveis dos fonemas /r/ e /s/ em português; isto é possível porque nossa grafia, apesar de apresentar elementos etimológicos, é fonológica (não fonética, o que não existe): representamos fonemas, que são modelos mentais sonoros, e não pronúncias, que são acidentais e particulares.

Se vivo estivesse, o mais polêmico gramático brasileiro do século XX, Napoleão Mendes de Almeida, com certeza diria que se trata de mais uma “reforma ortográfica para analfabetos”…

Não concordo com todas as ideias de Napoleão, mas considero essa e outras propostas parecidas de reforma ortográfica uma grande imbecilidade – assim mesmo, com C, pois veio do latim imbecillitas; a pronúncia romana era [imbekíllitas], e os dois LL não estão aí como enfeites, pois se trata de consoante dupla, que se simplificou na passagem do latim para o português.

Quem quiser grafar imbecilidade com S, fique a gosto.

Surfe e cia.

Um brasileiro venceu o campeonato mundial de surfe, título inédito para o Brasil. Uns vão dizer que esse título vale muito; outros dirão que não é tão importante assim.

O importante mesmo é lembrar que a palavra surfe se grafa com E no final, como muitas palavras inglesas adaptadas ao português: clube, turfe, esporte, bife; além disso, vários esportes têm seus nomes ingleses adaptados ao português: voleibol, basquetebol, beisebol, futebol, handebol, rúgbi etc.

Quanto à pronúncia, não há segredos; estas palavras, ainda que sejam de origem estrangeira e recente, pronunciam-se como as demais palavras portuguesas de estrutura semelhante.