Gritos Estrangulados

GRITOS ESTRANGULADOS
(Strangolitaj Krioj)

Julius Balbin (1917-2006)

Passamos a noite inteira seguros,
amparando um ao outro com ternura,
escondidos numa pequena câmara
atrás de pesadíssimo armário.

Amanheceu com a ameaça da morte
que rugia dos alto-falantes
a todos os moradores do gueto escondidos.
Emboscados pelo pânico,
tremendo, caminhamos das portas
para as ruas cinzentas
onde fomos, em meio a uma multidão aterrorizada,
capturados pelos homens da SS
e policiais judeus
que nos batiam com coronhas e chicotes.

Em nosso pânico e terror
nós corríamos caoticamente,
mas as coronhas e chicotes
separaram-nos em duas colunas.

Minha mãe e eu,
ainda agarrados um ao outro,
fomos separados
pelo chicote de um judeu.

Apenas um golfar
de obscenidades alemãs
rompia o silêncio
de gritos estrangulados.

Entre os cativos
ninguém sabia
qual das duas colunas
seria agora transportada
às distantes fábricas da morte.

Ainda consigo ver
através da bruma de lágrimas
o rosto de minha mãe,
submetida, assim como
seu gesto desesperado
para que eu ficasse tranquilo.

(Traduzido do esperanto por Júlio César Pedrosa.)

BALBIN, Julius. Strangolitaj krioj. In: Imperio de l’ koroj: Du poemaroj. Pizo, Italujo [Pisa, Itália]: Edistudio, 1989. p. 174-175.

Lusia

LUSIA
Julius Balbin (1917-2006)
Traduzido do esperanto por Júlio César Pedrosa

Ela era minha vizinha
antes da guerra –
e aos catorze anos
eu em segredo sonhava com ela,
enamorado de seus
negros olhos ardentes
e sua voz de veludo
cheia de amor.

E nada resta dela
além de sua roupa rasgada
e flocos de sangue
que a terra absorve.

Porque ela teve a audácia
de dirigir a palavra a um jovem guarda da SS,
o chefe do campo de concentração
ordenou
lançá-la
na jaula
de seus amados cães assassinos.

Em poucos minutos
sua carne foi devorada
e seus ossos quebrados,
e nada mais restou
além de minhas lembranças
e lágrimas
absorvidas pela terra,
que nós ambos dividimos
com os assassinos
humanos e caninos.

Ela era minha vizinha
antes da guerra…
com seus
negros olhos ardentes
e voz de veludo
cheia de amor.

1980

BALBIN, Julius. Lusia. In: Imperio de l’ Koroj: Du Poemaroj. Pizo, Italujo [Pisa, Itália]: Edistudio, 1989. p. 162-163.

O autor:
Julius Balbin (1917-2006) nasceu em Cracóvia, Polônia, no seio de uma família judia. Foi preso pelos alemães e passou por vários campos de concentração. Após o fim da II Guerra Mundial estudou em Viena, Áustria, e emigrou em 1951 para os Estados Unidos da América, onde por muitos anos foi professor universitário, retornando à Europa em 2005. Faleceu em Aye, Bélgica. Publicou vários livros de poemas em esperanto, inglês e polonês.

Mais sobre Julius Balbin:
Em inglês: “Strangled Cries: A profile of poet Julius Balbin” – Alexander Kharkovsky;
Em esperanto: “Julius Balbin” – Wikipedia.

Um artigo de Julius Balbin (em inglês): “The Secret Malady of Esperanto Poetry” (1973).

Santarém, Pará, 8/3/2017. Leia e curta também no Blogspot.

A Cadela de Buchenwald [poema de Julius Balbin]

A CADELA DE BUCHENWALD
OU
RÉQUIEM PARA A PELE

(La Hundulino de Buchenwald aŭ Rekviemo por la Haŭto)

Julius Balbin
Traduzido do esperanto por Júlio César Pedrosa

Rasgada e cheia de cicatrizes das pancadas
e contraída pela fome,
coberta apenas por uma
fétida
camisa
listrada
esfarrapada,
tu eras mais do que somente pele:
eras um brinquedo –
objeto de exibição
para uma curiosidade mórbida.

De todos os demônios
dos infernos de Hitler,
Frau* Ilse Koch,
a vadia de Buchenwald*,
parecia apreciar-te a ti no mais alto grau;
e, particularmente, àqueles entre vós
a portar tatuagens,
que provocavam nela
um espasmo
de ideias vibrantes
de algum desenho
para seus abajures.

Certa vez
ela arranjou uma festa
para comemorar
sua nova exposição.
A mais admirada
pelos membros da SS e pelos guardas
eras tu
tão coloridamente tatuada
com as palavras
HAENSEL UND GRETEL*
brilhando acima da lâmpada.
Sim, pele,
os comentários
e olhares elogiosos deles
teriam sido mais podres
do que tu,
se tu tivesses apodrecido
na terra infestada de vermes.

Requiescat in pacem*,
pele,
as orgias dos bárbaros
acabaram.

1982

BALBIN, Julius. La Hundulino de Buchenwald aŭ Rekviemo por la Haŭto. In: Imperio de l’ Koroj: Du Poemaroj. Pizo, Italujo [Pisa, Itália]: Edistudio, 1989. p. 197-198.


Notas:

1- Frau – Em alemão no original: “senhora”.
2- Buchenwald – Campo de concentração nas proximidades de Weimar, estado da Turíngia (Thüringen), Alemanha.
3- Hansel und Gretel – Nomes alemães dos personagens João e Maria, respectivamente, da fábula de mesmo nome, recolhida e difundida pelos irmãos Grimm.
4- Requiescat in pacem – Em latim no original: “Descansa em paz”; é a origem da abreviação RIP.

O autor:

balbin-imperio-001Julius Balbin (1917-2006) nasceu em Cracóvia, Polônia, no seio de uma família judia. Foi preso pelos alemães e passou por vários campos de concentração. Após o fim da II Guerra Mundial estudou em Viena, Áustria, e emigrou em 1951 para os Estados Unidos da América, onde por muitos anos foi professor universitário, retornando à Europa em 2005. Faleceu em Aye, Bélgica. Publicou vários livros de poemas em esperanto, inglês e polonês.

Mais sobre Julius Balbin:
Em inglês: “Strangled Cries: A profile of poet Julius Balbin” – Alexander Kharkovsky;
Em esperanto: “Julius Balbin” – Wikipedia.

Um artigo de Julius Balbin (em inglês): “The Secret Malady of Esperanto Poetry” (1973).

Santarém, Pará, 29/11/2016. Leia e curta também no Blogspot.

Nossa Única Posse [poema de Julius Balbin]

Julius Balbin (Fonte: http://miresperanto.com/en/articles/strangled_cries.htm)
Julius Balbin
(Fonte: http://miresperanto.com)

Nossa Única Posse
(Nia Sola Posedaĵo)

Julius Balbin (1917-2006)
Traduzido do esperanto por Júlio César Pedrosa.

No gueto
onde ainda
era possível
fazer amor
eu a encontrei.
Ambos tínhamos dezesseis anos
e nos envergonhávamos
De nossos corpos nus.
Tomando um ao outro pelas mãos
Abraçávamo-nos timidamente.

No campo de concentração
fomos separados
pelo arame farpado
mas nosso ardor
ignorava barreiras.

Os holofotes
das torres de guarda
espionavam a escuridão
enquanto eu rastejava
na direção das barracas das mulheres
por sob os arames
e me contorcia
entre vida e morte.

Eu alcançava a porta,
abria-a
e furtivamente deslizava
até onde o sussurro de minha amada
me guiava, à cama de cima,
Onde nua ela esperava.

O pesadelo da realidade
era engolido
pelo abismo
de nosso abraço
e nós íamos
ao topo
de tudo o que é humano
penetrando um no outro.

As mulheres à nossa volta
dormiam suspirando ou roncando
enquanto nós estávamos além de tudo,
contendo nossas paixões
ou silenciando nossos gemidos.
Amávamos
na febre que nossos corpos
nunca conheceram.

Não possuíamos nada
além de um ao outro.
Dividindo esses momentos
nós nos movíamos no ritmo
da lua e das estrelas
que brilhavam acima de nós
eternamente.

BALBIN, Julius. Nia Sola Posedaĵo. In: AULD, William. (Org.). Esperanta Antologio: Poemoj. 1887-1981. Rotterdam: UEA, 1984, pp. 760-762.

Notas:

1- Julius Balbin (1917-2006) nasceu em Cracóvia, Polônia, no seio de uma família judia. Foi preso pelos alemães e passou por vários campos de concentração. Após o fim da II Guerra Mundial estudou em Viena, Áustria, e emigrou em 1951 para os Estados Unidos da América, onde por muitos anos foi professor universitário, retornando à Europa em 2005. Faleceu em Aye, Bélgica. Publicou vários livros de poemas em esperanto.

2- Sobre a tradução: No poema acima, o único sinal de pontuação usado pelo autor é o ponto (.). Acrescentei algumas vírgulas onde vi que elas eram necessárias, devido à estrutura de nossa língua e para não fugir ao sentido do texto original, deixando o restante do texto com a pontuação (ou a falta dela) original, o que, a meu ver, contribui para melhor apreender o clima do poema; creio que a falta de vírgulas é elemento significativo deste poema. O leitor compreenderá por si mesmo e dirá se tenho ou não razão.

3- Publico este texto traduzido no âmbito das celebrações ocorridas por ocasião dos 70 anos da libertação, por tropas soviéticas, do campo de concentração de Auschwitz (em polonês Oświęcim), Polônia, ocorrida em 27 de janeiro de 1945.

4- O texto original pode ser lido na página do atalho a seguir, acompanhado de traduções de J. E. Nagy em húngaro e romeno:
http://www.ipernity.com/blog/199659/338252.

5- Mais sobre Julius Balbin:
Em inglês: “Strangled Cries: A profile of poet Julius Balbin” – Alexander Kharkovsky;
Em esperanto: “Julius Balbin” – Wikipedia.

6- Um artigo de Julius Balbin (em inglês): “The Secret Malady of Esperanto Poetry” (1973).

Santarém, Pará, 31/1/2015. Editado em 17/3/2015.