Homens que se vestem de mulher no Carnaval estão sendo criticados e “cancelados”. Diz-se que tais fantasias sao ofensivas a travestis.
Hmmmm… Aham… Sei.
Considerando-se a condição das odaliscas dos haréns do Império Otomano, creio que fantasiar-se de odalisca também não seja de bom tom — viu, @CarlaPerezCPX? Nem de gueixa. Ou de bruxa. Ou de chinesa da dinastia Song.
Certo estava Clóvis Bornay (1916-2005), que todos os anos vencia concursos com fantasias exuberantes e extravagantes com nomes do tipo “Sonho do Pavão Misterioso numa Noite de Verão na Ilha do Paraíso”, que não faziam referência a nada conhecido e não podiam ser acusadas de apropriação cultural ou ofensa a grupos minoritários.
Bom, talvez fossem ofensivas às aves que perdiam suas penas para essas fantasias. Mas ninguém é perfeito…
O sonho não acabou, mas parece que a fantasia sim.
Lamento pelos brincantes, foliões, curtidores, carnavalescos e todos os que lotam os salões ou vão atrás do trio elétrico. Logo, fantasiar-se do que quer que seja não lhes pertencerá mais.
Tag: Carnaval
A ponta feia da Dutra
Há alguns dias, alguém disse no Twitter, comparando os folguedos de Carnaval no Rio de Janeiro e em São Paulo, que “o Rio tem cultura de Carnaval, São Paulo tem apropriação cultural”. Aliás, é uma droga que o estado e sua capital tenham o mesmo nome, pois nunca se sabe se os caras se referem a um ou à outra, e talvez nem eles mesmos saibam ou causem confusão de propósito. Fingem-se de sonsos.
Descobri ali no Twitter por que não gosto de Carnaval: sou paulistano e não vejo o Carnaval como algo típico da cidade de São Paulo, por isso nunca gostei dele. Foi apropriado culturalmente, logo não é nosso. Taí. Valeu!
(Bom… Eu desfilei num bloquinho ou bloco do meu bairro em 1991; mas, em minha defesa, foi porque eu e alguns colegas estávamos paquerando umas garotas que desfilaram também. Não deu em nada. Fiquei a ver navios. Só perdi meu tempo e me cansei. Não digo que me arrependi, pois foi uma experiência interessante, que não mais repeti nem o pretendo fazer.)
Mas isso é apenas uma opinião minha, que alguns tomarão por tosca. Tô nem aí. Não sou contra o Carnaval, apenas não o pulo/brinco/curto/desfruto (escolham o verbo que quiserem conforme seus locais de origem).
Agora, na Folha de S. Paulo, um cavalheiro se refere a São Paulo como “a ponta feia da Dutra”; para completar, comete preconceito linguístico ao criticar o uso do termo “bloquinho”, usual em SP, dizendo que ele não se pode aplicar ou usar no RJ, pois ali não há bloquinhos, há apenas blocos.
O mais espantoso é que um Marcos Bagno não aparece numa hora como esta para dar um pito nos glossofóbicos de plantão. Parece que, se é contra SP, preconceitos linguísticos e outros estão liberados: se é a principal, a mais importante, a mais rica cidade do Brasil, pode-se malhar à vontade! Tá liberado!
Mas experimente algum paulista dizer que em São Paulo não existem biscoitos, apenas bolachas…
https://f5.folha.uol.com.br/celebridades/carnaval/2023/02/bloquinhos-nao-passarao.shtml
Etenílson comenta: #PaollaOliveira
(Foto: Paolla Oliveira/Instagram.)
Tenho um amigo alienígena chamado Etenílson, vindo do planeta Xistê. Etenílson é apaixonado pela cultura terráquea, que ele estuda todos os dias: ele lê jornais, vê TV, ouve rádio, sem falar nos blogues e redes sociais que acompanha com interesse.
Regularmente nos encontramos para tomar cerveja romulana e conversar sobre os assuntos do momento, e nessas ocasiões ele me pede impressões sobre coisas que não entende.
Ontem, entre uma e outra golada da deliciosa cerveja azul proibida em todos os planetas da Federação, ele me pediu opinião sobre a atriz Paolla Oliveira.
— Que tem ela? — perguntei.
— Estão comentando negativamente sobre o formato do corpo dela. Por que isso? — disse Etenílson.
— No planeta Xistê as pessoas não reparam nos corpos das outras pessoas?
— Ora, é claro que reparam. Lá, como cá, ninguém é de ferro, e todo mundo repara, principalmente quando se vê na rua uma xisteense com o seio belíssimo, grande, firme.
— Você quis dizer: “seios belíssimos, grandes, firmes”.
— Não, eu disse seio mesmo. As xisteenses têm apenas um seio. Mas em compensação têm duas…
— Mas você ia dizendo que lá também os xisteenses falam uns dos outros…
— Não! — respondeu enfaticamente Etenílson. — As pessoas olham, é claro, observam tudo, reparam, têm suas impressões, tiram suas conclusões ou tecem suas opiniões, mas ninguém critica alguém por causa da aparência. O xisteense pode até não achar algo bonito, mas quando o assunto não é de sua conta, prefere abster-se de comentar.
— Seu povo é sábio — disse eu. — Com certeza tem milênios de evolução a mais que nós.
— Recentemente muitos terráqueos fizeram o mesmo com a cantora Madonna — continuou Etenílson. — Disseram que está velha e feia. Mas todos envelhecem, não é? E não dizem que beleza é algo relativo? E a aparência de Madonna diz respeito apenas a ela. Por que essa celeuma toda?
— Você está indo bem! Já diz até “celeuma”…
— Acho que ainda ficarei na Terra por um bom tempo. Muitas coisas que vocês terrestres fazem eu ainda não entendo.
— Amigo Etenílson, muita coisa aqui da Terra eu também não entendo…
O samba-enredo da Flor de Vila Dalila, 1988
“Promessa fica na promessa
É hora de despertar
Chega de demagogia
Pra que tanta ironia?
O povo está cansado de esperar!”
Não sou apreciador do carnaval. Não curto desfiles de escolas de samba, nem frequento bailes de carnaval, festas de rua ou coisa parecida; também não costumo assistir aos desfiles transmitidos pela televisão. Mas isto não significa que eu seja contra o carnaval: respeito o gosto alheio.
Porém… desde 1988 tenho memorizada a letra de um samba-enredo. Parece contraditório e inexplicável, mas é verdade. De fato, é contraditório; quanto à explicação, ei-la:
Naquele ano, o Grêmio Recreativo e Cultural Escola de Samba Flor de Vila Dalila, que havia subido para o grupo de elite do carnaval paulistano no ano anterior, apresentou o samba-enredo “Nova República, me engana que eu gosto”, de autoria de Carlinhos de Pilares e Roberto Laranja. Era um samba de letra ousada, atrevida, que tocava fundo em problemas que o Brasil atravessava na época, quando vivíamos o período conhecido como Nova República e José Sarney era o presidente; já se conheciam o escândalo da ferrovia Norte-Sul, o dos marajás do serviço público, e naquele mesmo ano nova Constituição Federal seria apresentada à Nação. A letra criticava ainda o descaso com os aposentados e as crianças abandonadas, a fúria do Leão (o imposto de renda), a fome, a falta de empregos…
Trata-se de um samba-enredo que destoa dos comumente apresentados pelas escolas de samba, nos quais se fala de belezas naturais, homenageiam-se ícones da cultura popular, visitam-se cidades ou países distantes ou se contam fatos históricos ou mitos.
Esse samba da Flor de Vila Dalila fez sucesso, lembro-me de tê-lo ouvido várias vezes no rádio, de pessoas a cantá-lo, motivo pelo qual eu o memorizei; aliás, até hoje gosto dele. O mais curioso, porém, é que essa escola de samba, apesar da popularidade de seu samba-enredo, ficou em último lugar no Grupo Especial, sendo rebaixada, e nunca mais conseguiu retornar ao grupo de elite.
Os adeptos de teorias conspiratórias talvez vejam aqui algo mais do que uma triste coincidência… Será que a escola cutucou onça com vara curta e entrou pelo cano? Não sei, não…
Já eu, apesar de não ser folião, nunca me esqueci do samba de 1988 da Flor de Vila Dalila, e todo ano, no carnaval, lembro-me dele: “Promessa fica na promessa, é hora de despertar…”
Reproduzo abaixo a letra completa do samba-enredo, para recordação dos que o ouviram e resgate de parte de nosso passado.
Grêmio Recreativo, Cultural e Escola de Samba Flor de Vila Dalila
Samba-enredo de 1988 – Carnaval Paulistano
Título: NOVA REPÚBLICA, ME ENGANA QUE EU GOSTO
Autores: Carlinhos de Pilares e Roberto Laranja
Puxadores: Nílton da Flor e Carlinhos de PilaresPromessa fica na promessa
É hora de despertar
Chega de demagogia
Pra que tanta ironia?
O povo está cansado de esperar!Pra que cultura,
Se não há emprego?
A fome do País não é segredoFabricaram o trem, parou a ferrovia
Falta de verba que o Plenário discutiaMe engana que eu gosto
Reforma agrária, cadê?
O índio está cansado de sofrerO Leão virou hiena, preocupado com a Nação
Marajá de bolso largo
Nem abala o coraçãoE o aposentado que merece mais respeito
E o menor abandonado
Sofre com o preconceitoMe arrepia essa tal democracia
Acorda, meu Brasil!
Adendo:
Pesquisando para ajustar algumas informações deste artiguinho, descobri que no mesmo ano de 1988 o GRES Imperatriz Leopoldinense apresentou, no Carnaval do Rio de Janeiro, um samba-enredo com tema parecido, cuja letra reproduzo abaixo.
E não é que a Imperatriz Leopoldinense terminou aquela competição também em ÚLTIMO LUGAR?
É muita coincidência! Seria conspiração?
A sorte da Imperatriz Leopoldinense foi que, naquele ano, decidiu-se que nenhuma escola seria rebaixada, portanto ela continuou no Grupo Especial, sendo campeã no ano seguinte.
“Pegaram leve” com o Carnaval do Rio…
Grêmio Recreativo Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense
Samba-enredo de 1988 – Carnaval Carioca
Título: CONTA OUTRA, QUE ESSA FOI BOAEu voto pra não esquecer
A vida tem que melhorar
O povo na constituinte
Vai ter mesa farta, sorrir e até cantarQuá, quá, quá!
Você caiu, caiu!
É brincadeira
É primeiro de abril (bis)Eu quero é poder ser marajá
Gozar a vida
Pra vida não vir me gozar (bis)Disse-me-disse
Na história do Brasil
Fui criança, fui palhaço
E ninguém me assumiu (ô, seu Cabral…)Cabral, ô, Cabral,
O esquema é de lograr (de lograr)
De 71 com a realeza,
Me mandou uma princesa que fingiu me libertar, me libertar (bis)Ô ô ô piuí
Piuí, lá vem o trem
A ferrovia é brincadeira de neném (bis)
Santarém, PA, 13/2/2013. Editado em 16/2/2018. Leia e curta também no Blogspot.