Triplex ou tríplex?

Com as denúncias de irregularidades na aquisição do apartamento de três pavimentos mais famoso do Brasil, vem a dúvida, inclusive na imprensa: é apartamento triplex ou tríplex? Palavra oxítona ou paroxítona?

A solução da dúvida é simples, mas nem todos a conhecem.

O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (também conhecido pela sigla VOLP) é uma publicação da Academia Brasileira de Letras, que, desde o início do século XX, quando se deram as primeiras tentativas de reforma da ortografia portuguesa, cuida do registro e fixação da ortografia oficial das palavras no Brasil.

Concordemos ou não com isso (eu mesmo não concordo, pois acho que tal missão deveria estar a cargo de uma comissão nacional de notáveis das universidades e instituições culturais, inclusive da ABL), trata-se de uma missão dada à Academia Brasileira por força de lei; embora seja uma organização não governamental (ONG), a Academia Brasileira executa essa tarefa a pedido do Estado.

Não se trata de dicionário: o VOLP é uma lista de palavras, apresentadas com sua grafia oficial e informações sobre classe gramatical (substantivo, adjetivo, verbo etc.) e flexão (um gênero, dois gêneros, dois números etc.). Assim, a forma apresentada no VOLP é a oficial e que deve ser usada.

Como saber, por exemplo, se a grafia jiló está correta, ou se esta palavra é grafada com G? Basta procurar no VOLP; na edição eletrônica é só digitar a palavra e, se estiver registrada, aparecerá com seus dados. No VOLP aparece apenas jiló, o que significa que se grafa com J, não com G; o mesmo vale para chuchu (não é com X). Já a palavra morsegão está lá (não é o mesmo que morcegão, aumentativo de morcego).

Outro caso: Apesar de largamente usada, a palavra mussarela não se encontra registrada no VOLP; as formas lá encontradas são muçarela e mozarela, as únicas oficiais e que devem ser grafadas.

Buscando no VOLP eletrônico a forma triplex, encontramos o vocábulo oxítono e o paroxítono, o que significa que ambas as formas são corretas, podendo ser usadas sem medo de errar; o mesmo vale para o par formado por duplex e dúplex. (Prefiro as formas oxítonas.)

volp-triplexTriplex/tríplex e duplex/dúplex são vocábulos pertencentes a mais de uma classe: são substantivos, adjetivos e numerais, mas são invariáveis, pois não têm flexões de gênero nem de número. Vejamos alguns exemplos:

a) Apartamento triplex;
b) Estes apartamentos são duplex;
c) Nossas moradias são triplex.

E outros mais poderíamos citar.

Resumindo: essas formas são corretas, sejam oxítonas ou paroxítonas, têm uso como substantivos, adjetivos ou numerais e são invariáveis quanto a gênero e número.

A sugestão é, optando-se por uma ou outra palavra, manter a coerência no texto, não as misturando sem necessidade.

Para concluir, lembremo-nos de que, se a palavra em questão é paroxítona (tríplex), ela deve ter sinal diacrítico (acento gráfico) agudo sobre a vogal da sílaba tônica, pois se trata de palavra paroxítona terminada em consoante que não é S nem M.

A versão eletrônica do VOLP está disponível gratuitamente aqui: http://www.academia.org.br/nossa-lingua/busca-no-vocabulario.

Santarém, Pará, 4/2/2016.

Frade, frei, irmão

Hoje em dia, quando se topa com as palavras frade e frei, quase sempre seu uso está errado ou, no mínimo, equivocado (e no mais das vezes só vemos a segunda delas). O mesmo ocorre, embora com menos frequência, com as formas femininas freira e sóror.

Vejamos, portanto, as diferenças entre frade e frei e sua relação com a palavra irmão.

I. Origens
As palavras frade e frei vieram da palavra latina frater, que significa “irmão”; seu equivalente feminino na língua do Lácio é soror (“irmã”). Estas duas palavras têm uma história muito curiosa, pois não sobreviveram em português – pelo menos não com significado semelhante ao latino. Estão presentes, por exemplo, no francês (frère e soeur), no italiano (fratello e sorella), no romeno (fratele e sora), com as marcas visíveis de séculos de evolução; mas por que em português temos irmão e irmã?

Com a fragmentação do Império Romano, no século V d.C., as províncias, agora convertidas em reinos autônomos, perderam o contato mais íntimo com Roma, que deixou de ser o centro irradiador de inovações e modas linguísticas da România (o conjunto das áreas em que se falava o latim); o latim vulgar (ou popular) falado nas regiões distantes passou a evoluir por conta própria, sem influência de Roma e com suas próprias criações lexicais, variações de pronúncia e sintaxe, até dar origem às línguas românicas ou neolatinas que conhecemos.

Não foi diferente com as comunidades latinas da Ibéria.

Um pouco antes disso, os povos germânicos ou germanos, após séculos de escaramuças e guerras, foram incorporados ao Império Romano, com direito, inclusive, à cidadania romana, passando a servir nas tropas e espalhando-se pelas províncias. Os germanos, agora, eram povos amigos dos latinos.

É provável que o termo latino germanus tenha passado, metaforicamente, a ser usado com o sentido de “aliado”, “amigo” e até “irmão”, desbancando pouco a pouco a palavra latina frater; foi esta uma inovação linguística ibérica, pois as outras regiões da România conservaram e modificaram a forma latina antiga. Germanus tornou-se, após transformações fonéticas, irmão, hermano e germà – em português, espanhol e catalão, respectivamente, com as respectivas formas femininas irmã, hermana e germana. Temos aqui, então, uma metáfora que se tornou termo corrente.

II. E frade, frei?
O termo latino frater, abandonado em português em favor de germanus, retornou mais tarde, já na Idade Média, como designativo dos membros das ordens de religiosos católicos franciscanos, dominicanos e outros. Sofrendo transformações fonéticas e de significado (de que não trataremos aqui), a palavra frater assumiu em português as formas frade e frei. Pelo mesmo caminho surgiram as palavras freira e sóror, usadas em relação a religiosas das ordens femininas.

Todas essas formas são relativas a religiosos de ordens monásticas, isto é, aquelas cujos integrantes vivem em conventos ou mosteiros. Os termos irmão e irmã também são usados nesse contexto, embora tenham maior abrangência.

As palavras latinas pater e mater originaram em português, cada uma, também duas formas, respectivamente pai e padre, mãe e madre; enquanto pai e mãe são palavras herdadas com séculos de transformações fonéticas, padre e madre são termos semieruditos surgidos já no Medievo, com uso no âmbito religioso.

III. O uso
As palavras frade e frei, assim como freira e sóror, não são morfossintaticamente equivalentes e não se usam, indiscriminadamente, uma pela outra: enquanto frade e freira são substantivos comuns, frei e sóror são formas de tratamento usadas com nomes próprios.

Vejamos alguns exemplos:

a) Meu primo João é frade.
b) Ontem estiveram aqui os dois frades espanhóis.
c) Os frades Antônio e Paulo viajaram a Roma.
d) O frade João é meu primo.
e) Bocage criticou frei Efraim em um poema.
f) Frei João é meu primo.
g) Frei Antônio e frei Paulo viajaram a Roma.
h) Minha irmã Maria tornou-se freira.
i) As freiras daquele convento assam pães.
j) As freiras Paula e Cecília chegaram à cidade.
k) Minha irmã é sóror Maria.
l) Sóror Paula e sóror Cecília chegaram à cidade.

Creio que fica bem claro o seguinte:

1. As formas frei e sóror só se usam com o nome próprio e não vêm precedidas de artigo. São títulos.
2. As formas frade e freira usam-se como substantivos comuns, com ou sem artigo, com ou sem o nome próprio (aposto), e variam em número (singular e plural), conforme a necessidade.
3. Não é necessário que essas formas venham com letra inicial maiúscula, obrigatória apenas quando em início de período ou frase.
4. Sóror possui as variantes soror e sor.

Adendo:
Assim como frei e sóror, as formas de tratamento dom e dona vêm acompanhadas do nome próprio e não se usam com artigo (pelo menos na língua culta).

Dom e dona vieram das formas latinas dominus e domina: “senhor” e “senhora”, respectivamente; também de dominus veio dono.

Na linguagem popular, dona é o equivalente feminino das formas de tratamento masculinas sor ou seu; neste contexto a palavra dona é muitas vezes usada com artigo definido: a dona Maria.

Santarém, Pará, 26/1/2016. Editado em 27/1/2016.

Paraolímpico, paralímpico

Fiz uma rápida pesquisa sobre o porquê das formas paralímpico(a) e paralimpíada, já que, de acordo com a etimologia e as regras de prefixação do português, as formas adequadas são paraolímpico(a) e paraolimpíada. A respeito deste assunto, achei explicação apenas na página Dúvidas de Português (http://duvidas.dicio.com.br/paraolimpico-ou-paralimpico/), além da Wikipédia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Jogos_Paraol%C3%ADmpicos), nas quais se diz que a palavra paralímpico veio do inglês paralympic, que é a junção de paraplegic e olympic.

Não se trata, portanto, de um simples e corriqueiro (quase instintivo) processo de prefixação (junção do prefixo para- ao substantivo olympic ou olímpico), mas sim da criação de uma nova palavra com pedaços de duas outras.

Este processo ocorre com nomes próprios de produtos ou pessoas e até de países, como é o caso da Tanzânia, cujo nome provém da junção de partes dos nomes Tanganica e Zanzibar (com adição da terminação latina -IA), as duas ex-colônias britânicas que se uniram para formar aquele país africano. (Nem vou citar os milhares de nomes próprios que se criam no Brasil com partes dos nomes dos pais, tios, avô ou prima etc.; todo brasileiro conhece alguém cujo nome tem origem nesse tipo de combinação.)

Em português o termo paraolímpico(a) é o resultado natural do processo de prefixação de para- ao substantivo/adjetivo olímpico(a). Poder-se-ia suprimir o A final do prefixo (a exemplo dos pares hidroelétrico e hidrelétrico, hidroavião e hidravião e outros), mas nunca o O inicial do radical que o recebe: parolímpico(a).

O Brasil adotou nos documentos oficiais o uso dos termos paralimpíada e paralímpico(a), seguindo tendência internacional; mas é claro que as formas paraolímpico(a) e paraolimpíada continuam valendo e podem ser usadas livremente – isto é algo que ninguém pode proibir.

Assim, aqueles que optam por usar as formas paraolímpico(a) e paraolimpíada têm razão em fazê-lo, pois tais termos já estão estabelecidos e estão de acordo com a estrutura e a tradição de nossa língua, ainda que os termos oficiais do momento sejam paralímpico(a) e paralimpíada.

Santarém, PA, 14/9/2015. Editado em 9/9/2016.

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Domingão da Independência

Foto: Júlio César Pedrosa, 9/9/2015 Local: Travessa Turiano Meira, esquina com Av. São Sebastião – Santarém, PA

Parece que este ano os festejos de Sete de Setembro foram bastante animados em Santarém, Pará: os organizadores do 1º Domingão da Independência estavam “alegres” bem antes das comemorações, já durante a preparação e divulgação do evento, como se vê pelos erros do cartaz abaixo.

Se não, como explicar INDENPENDÊNCIA, ÍNICIO, PRÊMIAÇÃO, HRS?

Já a crase em até às é possível, desde que se tenha aqui a preposição a depois de até e antes de as 15:00h. (A locução até a é equivalente a até; é correta, mas julgo desnecessária, pois só até já expressa o sentido preciso.)

Mas uma coisa é certa: se o revisor de texto deles for demitido, quem assume é o Aécio…

Santarém, Pará, 9/9/2015.

O rapa, as melancias e a milagrosa pomada do peixe-boi

Há cerca de 25 anos, eu era office-boy e via muitos camelôs de São Paulo, nas ruas e dentro dos ônibus ou trens da CBTU e antiga Fepasa (atual CPTM), vendendo a conhecidíssima pomada supostamente feita com a banha do peixe-boi amazônico (Trichechus inunguis). Os pregões dos camelôs variavam pouco, divergindo a partir do mesmo mote:

Olha a pomada do peixe-boi da Amazônia! Cura reumatismo, cura artrite, artrose, cura frieira, micose, hemorroidas, dor no pescoço, bico de papagaio, torcicolo… É cicatrizante, passa um pouquinho e pronto! Olh’a pomada do peixe-boi!

As latinhas, pouco mais largas do que uma moeda de 1 real, vinham em caixinhas de cor vermelha ou amarela. Os vendedores ambulantes andavam com sacolas cheias delas e vendiam muito, ao que parece.

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Fonte: http://www.institutobotocinza.org
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Fonte: http://www.objetosdecena.com.br

Nunca vi naquela época nenhum tipo de fiscalização sanitária contra esse produto suspeito; apenas os fiscais dos trens ou a Polícia Ferroviária é que apreendiam as mercadorias, que depois sumiam não se sabe para onde. Diga-se o mesmo dos fiscais da Prefeitura – os rapas, que apareciam de repente e rapavam tudo dos ambulantes que não conseguiam evadir-se a tempo, após ouvir o berro característico e bem conhecido do povo: “Rapa! Olh’o rapa!”

Alguns camelôs com ponto mais ou menos fixo expunham suas mercadorias sobre encerados ou lençóis com cordinhas de varal atadas às pontas. Quando chegavam os rapas, era só puxar as cordas, jogar o pacote sobre os ombros e… sebo nas canelas!

O que revoltava a muitos ambulantes era o fato de que as perseguições foram mais intensas durante o mandato de certo governante que é, ele mesmo, filho de um ex-camelô…

Um parêntese: Meu pai conta que certo dia, um pouco depois de chegarem a São Paulo, em fins da década de 1950, ele e um irmão comiam melancia em fatias junto à banca de um típico vendedor de frutas, como estes das fotos:

hildegard-rosenthal-02 25 Março Porto Geral década de 1940
São Paulo: Rua 25 de Março e Ladeira Porto Geral. Foto: Hildegard Rosenthal, década de 1940.
Liberdade barraca de frutas foto sueli gutierrez mulheres da vez
São Paulo, Bairro da Liberdade. Foto: Sueli Gutierrez (http://mulheresdavez.blogspot.com.br)

Como bem o sabem os paulistanos e os visitantes da capital paulista, estes ambulantes são comuns em São Paulo: vão para lá e para cá com seus carrinhos, ou posicionam-se num ponto, e vendem frutas cortadas, melancia e abacaxi, principalmente. As fatias são postas em saquinhos (as de abacaxi) sobre blocos de gelo, e o freguês come ali mesmo ou compra “para viagem”. Alguns, antigamente, até ofereciam uma faquinha ao cliente, para cortar a melancia enquanto a comia – o comerciante corria riscos, inclusive o de que o cliente gostasse da faquinha e a levasse como brinde…

Mas, como dizíamos antes… Meu pai e meu tio comiam melancia, quando se ouviu o grito: “Rapa!” Uma multidão corria com carrinhos, pacotes, banquinhas com pentes, espelhos e outras bugigangas a cair… O fruteiro tentou correr, mas era tarde demais: foi pego pelos rapas. Meu pai tinha corrido e duma esquina via o carrinho do coitado do homem ser lançado sobre um caminhão da Prefeitura de São Paulo, que depois partiu cheio de mercadorias apreendidas.

Meu pai não tinha pago as frutas. Um tempo depois, passando pelo mesmo local, lá estava o mesmo fruteiro, com um carrinho (o mesmo?), vendendo suas fatias de melancia e abacaxi. Meu pai achegou-se, pediu uma fatia de fruta, comeu-a, e na hora de pagar, perguntou:

– Lembra daquele dia em que levaram seu carrinho aqui mesmo nesta esquina? Eu e meu irmão comemos melancia, mas não tivemos tempo de pagar por causa do rapa. Agora quero pagar também aquelas.

O fruteiro, espantado, arregalou os olhos e agradeceu:

– Meu Deus do Céu! Obrigado! Só mesmo um cearense para lembrar de pagar uma dívida dessas…

Voltemos ao peixe-boi e sua banha que vira(va) pomada. Como sabemos, apesar de protegido por legislação federal, o peixe-boi está em risco de extinção, e as causas são várias, como a caça, a morte em redes de pesca, a poluição, a redução do habitat. Filhotes são encontrados sem as mães e levados a centros de estudos, como o Inpa e o Museu Goeldi, mas mesmo que sobrevivam, é difícil readaptá-los à vida selvagem.

Segundo um estudo da Universidade Santa Cecília (Unisanta), em parceria com o Ibama, verificou-se que a tal pomada milagrosa não tem nada do peixe-boi: é apenas vaselina, talvez com corantes e aromatizantes. Ainda que a pomada não seja feita de peixe-boi, sua existência contribui indiretamente para a caça desse mamífero, pela suposta capacidade curativa de sua gordura.

Seja como for, a venda continua, embora – parece-me – já não se venda tanto quanto antes, talvez um efeito da maior quantidade de informação disponível hoje sobre pseudomedicamentos como este.

Por isso, se lhe oferecerem esse milagroso e glorioso produto da esperteza tupiniquim, recuse-o, pois além de evitar perder dinheiro e tempo com algo que não funciona, você estará, ainda que de forma indireta, contribuindo para a sobrevivência do peixe-boi amazônico, animal-símbolo da Amazônia e também do Brasil.

P. S.: Para terminar, acrescente-se que a palavra peixe-boi é um substantivo composto, formado de dois substantivos também variáveis, peixe e boi; portanto, o plural de peixe-boi é peixes-bois, pois ambos os elementos que formam o composto são passíveis de receber flexão de número.

Curiosa é a forma usada para designar a fêmea do peixe-boi: peixe-mulher é o nome indicado nos dicionários, mas talvez o nome seja restrito à fêmea do peixe-boi-marinho. O plural é, obviamente, peixes-mulheres.

Um dos nomes por que é conhecido o peixe-boi-da-amazônia é guaraguá, nome que veio do termo tupi yguaraguá, designação do peixe-boi naquela língua indígena.

Santarém, Pará, 4/5/2014. Editado em 8/9/2015.

Tropa ou tropas? OMAC explica!

OMAC6
Capa do número 6 de OMAC, julho-agosto de 1975. Fonte: Wikipédia.

OMAC (One Man Army Corps, “Exército de Um Só Homem”) é uma personagem futurista de histórias em quadrinhos, criação de Jack Kirby para a DC Comics. Kirby foi um dos mais talentosos e prolíficos artistas do ramos das HQs e sempre gostei de sua arte de traço inconfundível. (Podem exprobrar-me os americanófobos: gosto de quadrinhos americanos… mas só dos clássicos!)

Mas esta postagem não tem nada que ver com HQs. É que sempre me lembro de OMAC quando deparo com certo tipo, cada vez mais frequente, de erro de tradução.

Ocorreu-me isso recentemente ao ver o documentário A II Guerra Mundial Vista do Espaço, no canal History 2; ao citar a invasão da fronteira ocidental da União Soviética pelo exército alemão, o locutor diz: “Num front de mais de 2.900 km, 4 milhões de TROPAS alemãs invadem a URSS ao mesmo tempo”.

4 milhões de tropas! É muito ou pouco? É muito, mas parece que pode ser muito mais… de acordo com o pensamento de quem traduziu isso.

A palavra portuguesa tropa tem valor coletivo, refere-se a um grupo – de soldados, neste caso. Uma tropa pode ser um pelotão, uma companhia ou bateria, um batalhão ou esquadrão, uma brigada, uma divisão ou um exército inteiro; mas nunca um só indivíduo. O Dicionário Eletrônico Caldas Aulete dá diversas acepções para a palavra tropa, todas com valor coletivo, nunca referente a um só indivíduo. Não consigo entender como se continua a cometer esse erro grosseiro.

Se considerarmos que os 4 milhões de tropas referem-se a pelotões (dos grupos citados, o menor, com cerca de 30 indivíduos), a União Soviética teria sido invadida por cerca de 120 milhões de soldados, número muito maior que toda a população alemão de antes da II Guerra, que talvez fosse de uns 80 milhões. Ainda que fossem grupos de combate de cerca de 10 elementos, ainda seriam 40 milhões de soldados, número também exagerado.

O número se refere, de fato, ao contingente de militares contados individualmente; eram, portanto, 4 milhões de homens, não 4 milhões de tropas. E o mesmo erro de tradução de tropa se repetiu outras vezes; fiquei enfadado e nem vi o filme até o fim. O canal History realmente não aprende! E continua a desapontar-me, pois o mesmo erro tem ocorrido em outros programas de temática semelhante. Esse canal de TV dos Estados Unidos talvez seja bom em history (há controvérsias!); mas quando se trata de language

Por isso, lembremo-nos: uma tropa é um conjunto; 30 soldados não são 30 tropas, são 1 tropa de 30 soldados.

Somente na ficção científica existe tropa de um homem só…

Santarém, Pará, 24/10/2014. Editado em 4/9/2015.

Subconsciente colonizado

A colonização cultural e mental de nosso povo fica cada vez mais evidente – pelo menos para mim.

Observo-a em certos detalhes, como o fato de correspondentes brasileiros de imprensa na França pronunciarem nomes franceses como se fossem ingleses. Não é só o nome da famosa torre parisiense, é todo e qualquer nome próprio.

Outros povos, ainda não dominados por essa mania, costumam ter dois procedimentos em face de uma situação destas:

1- Pronunciar tais palavras como na língua de origem; ou

2- Pronunciá-las como se fossem nomes de sua própria língua.

Os próprios francófonos não têm a menor vergonha de pronunciar palavras estrangeiras pela fonologia e fonética de sua própria língua.

Mas nós as pronunciamos como se fossem palavras inglesas, pois em nosso subconsciente achamos que só nós falamos o português e os demais povos todos falam inglês.

O trabalho já está feito; desmanchá-lo será difícil, senão impossível.

Pode parecer coisa pouca ou desimportante, mas não é.