A ascensão de uma dinastia

francis-fevre-faraoFÈVRE, Francis. Faraó. Tradução de Maria Alice Gelman. São Paulo: Mercuryo, 1990. 291 pp.
[Pharaon. Paris: Presses de la Renaissance, 1987.]

Ao contrário de dois outros livros do autor publicados no Brasil (Faraona de Tebas e O Último Faraó) – os quais eu classifico como documentários históricos –, este livro Faraó de Francis Fèvre é uma obra de ficção, um romance histórico ambientado no Egito de meados do século XVI a.C. E, como todo romance histórico, o autor usa um pano de fundo de fatos ocorridos e documentados – de conhecimento, pois, dos historiadores – para construir sua narrativa, preenchendo lacunas da história com elementos que lhe proporcionem um enredo verossímil, baseado em seu conhecimento do período.

Não é este texto uma análise literária e acadêmica, mas apenas um comentário despretensioso, e anteciparei alguns fatos do enredo, baseados em fatos históricos de conhecimento geral, sem descer aos meandros da narrativa; trata-se de informações que constam dos livros de história e podem ser facilmente encontradas em pesquisas feitas em obras de referência ou na Internet.

O contexto da história do romance Faraó é o seguinte:

No século XVIII a.C., chega ao fim o Reino ou Império Médio do Egito, com a queda da autoridade central do faraó. O Egito fragmenta-se e entra na época que os historiadores chamam II Período Intermediário, com o poder entregue aos príncipes locais, chefes dos nomos ou províncias. Aproveitando a fragmentação do país, os hicsos – povo semita originário de Canaã e Síria – conquista e submete os nomos do norte (Baixo Egito), estabelecendo sua capital em Aváris, no Delta do Nilo. Os reis hicsos adotam o título de faraó e passam a usar a coroa vermelha do Baixo Egito, ameaçando os demais nomarcas.

Até aqui temos os fatos históricos conhecidos. A narrativa do romance começa quando o domínio dos hicsos sobre o Norte já dura cerca de cem anos. Sekenenrê, príncipe de Tebas e mais poderoso nomarca do Alto Egito, prepara pacientemente suas tropas e aliados para invadir o Delta e expulsar os hicsos; ao mesmo tempo, precisa impedir o avanço dos hicsos rumo ao sul, com o intuito de sublevar os núbios contra Tebas, o que poderia dar aos asiáticos o domínio sobre todo o país.

Após as provocações e ameaças de Apópi, rei dos hicsos, Sekenenrê invade o Baixo Egito e é morto em batalha; é sucedido por seu filho Kamés, que assume o trono de Tebas e continua a luta contra os hicsos. Kamés, porém, não reina por muito tempo. Sobe ao trono seu irmão Ahmosis – inicialmente um jovem destinado ao sacerdócio –, que leva Tebas à vitória contra os hicsos, expulsando-os, destruindo sua capital e unificando o Egito novamente sob um único rei.

Inicia-se ali o período conhecido como Novo Império. Ahmosis foi o primeiro soberano e fundador da XVIII dinastia, conhecida como Améssida, a mais vitoriosa do Egito. Sob o governo dos améssidas, as fronteiras do Egito alcançaram sua extensão máxima e o país tornou-se uma potência regional expansionista. Pertencem a essa dinastia soberanos como Tutmés I; a filha deste, faraona Hatshepsut; Tutmés III, o Napoleão Egípcio; Amenhotep (ou Amenófis) IV, mais tarde conhecido como Aquenáton; Tutancâmon; e Horemheb, o último faraó desta linhagem.

No decorrer da narrativa, além das manobras militares, cenas de caçadas e batalhas, cerimônias públicas e festins no harém, tramas e alianças políticas da Núbia à Fenícia, é descrita a vida luxuosa no palácio de Tebas e as muitas intrigas ali presentes; o ódio da mãe de Sekenenrê, Tetishery, contra sua nora Ahhotep e seu neto Ahmosis; as desconfianças de Ahmosis em relação a sua irmã e esposa Nefertari; a forte amizade entre Ahmosis e seu mentor espiritual, o sacerdote Amenhotep, também conselheiro de sua mãe; as tensões com os núbios, envolvidos em guerras tribais que ameaçam a estabilidade da relação de vassalagem com Tebas e, depois, com o Egito reunificado.

Como dito mais acima, o autor usa fatos (nem todos ainda consolidados historiograficamente) da história egípcia para a construção do enredo, preenchendo as lacunas com suposições para uma melhor verossimilhança. Assim se dá, por exemplo, quanto ao grau de parentesco entre Sekenenrê, Kamés e Ahmosis, pois não se sabe com certeza se Kamés e Ahmosis eram irmãos e se eram filhos de Sekenenrê, ou se este era um irmão mais velho de Kamés e pai de Ahmosis.

Outro fato nebuloso e aproveitado no enredo diz respeito às circunstâncias da morte de Sekenenrê. Sua múmia é conhecida e foi estudada por cientistas; os ferimentos no crânio mostram que foi ferido em batalha a golpes de espada ou machado. Além disso, o exame indicou que a mumificação se iniciou com o corpo já em decomposição, o que explica seu estado: supõe-se que o corpo foi resgatado do campo de batalha e demorou a ser embalsamado.

O romance é bom, é bem constituído e tem os fatos bem encadeados. Gostei dele, que é bem escrito e prende a atenção do início ao fim. Teve apenas uma edição no Brasil, podendo ser encontrado agora apenas em sebos, mas com preços convidativos.

Boa leitura e distração garantida para os interessados em boa ficção histórica e no Egito antigo.

(Resenha publicada originalmente no Skoob: https://www.skoob.com.br/livro/resenhas/211718/edicao:237019.)

Santarém, PA, 1º/12/2016. Leia e curta também no Blogspot.

Autor: Júlio César Pedrosa

Santarém, Pará, Brasil.

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