Remadas fúnebres no rio Tapajós

Desde tempos imemoriais os grupos humanos têm-se esforçado para honrar seus mortos; cada cultura demonstra formas peculiares de velório ou enterramento, sempre de forma respeitosa, por mais simples que seja.

Muito antes que os egípcios da época dinástica pensassem em construir faraônicas tumbas para alojar seus mortos ilustres e conduzi-los ao encontro dos deuses, os habitantes do vale do Nilo já enterravam seus defuntos nas areias, que se sabiam ter capacidade de conservar os corpos, mumificando-os naturalmente (a conservação do corpo era requisito para a sobrevivência da alma no além).

Outros povos enterravam seus mortos dentro de casa, como verificado por arqueólogos nas ruínas da antiga cidade de Çatal Hüyük, na Anatólia (atual Turquia); outros cremavam-nos, levando consigo as cinzas, durante suas jornadas. Outras comunidades, ainda nos dias de hoje, depois de cremar os corpos, ingerem suas cinzas em rituais, misturadas a alimentos diversos, como o fazem os ianomâmis. Os parses, que praticam o zoroastrismo, vetusta religião da antiga Pérsia, não cremam seus mortos, não os enterram nem jogam à água, pois consideram isso algo impuro: os corpos são postos em locais específicos para ser descarnados pelos abutres; depois de limpos, os ossos são sepultados. Já na cultura grega, deixar um corpo sem sepultamento era considerado ato ímpio, ultrajante.

Por amor de seu marido Mausolo, a rainha Artemísia mandou erigir-lhe um sepulcro suntuosíssimo; o Túmulo do Rei Mausolo ou Mausoléu de Halicarnasso, apesar de há muito destruído, passou à memória das gerações posteriores como uma das Sete Maravilhas da Antiguidade e deu origem à palavra mausoléu com o significado de “túmulo suntuoso”.

O que sucede com o sepultamento vale para os cortejos fúnebres. Em sua obra O Tapajós que eu Vi, o agrônomo e escritor paraense Eimar Franco (1921-2011), comentando sobre tradições que conheceu em Urucurituba (Aveiro, Pará), onde nasceu e cresceu, às margens do rio Tapajós, descreve um costume fúnebre dos ribeirinhos daquela região:

livro tapajos que eu vi“E por falar em tradições perdidas, ocorreu-me uma hoje, desaparecida, e que, embora fúnebre tinha o seu encanto todo especial.
Quando alguém morria e o corpo devia ser transportado até um cemitério distante, os caboclos colocavam-no em uma boa canoa e partiam seguidos pelos parentes e amigos do finado. Nessas ocasiões, todo o ritmo das remadas era alterado, pois no intervalo de cada uma delas, o cabo dos remos era batido na borda da embarcação duas vezes, dando ao cortejo um acentuado tom de beleza e tristeza.
Era interessante notar como os remadores conseguiam manter aquele ritmo de maneira tão sincronizada, de um modo que todas as canoas batiam os cabos dos remos a um só tempo, como se houvesse um maestro a orientá-los.
Às vezes, na calada da noite, ouvia-se aquele lúgubre “tan-tan” se aproximando, passar em frente a nossa casa e perder-se na distância, num impressionante ritual de reverência e saudades.
Essa tradição já não existe mais e como tantas outras perdeu-se em haras da “civilização”!”

FRANCO, Eimar. O Tapajós que eu Vi (Memórias). Prefácio de Lúcio Flávio Pinto. Santarém, PA: Coordenadoria Municipal de Cultura; Instituto Cultural Boanerges Sena, 1998. p. 51.

Autor: Júlio César Pedrosa

Santarém, Pará, Brasil.

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